Logro ou convergência

Jorge Cordeiro

Sem con­se­guir evitar ideias feitas como a que o PS usa para dis­farçar com­pro­missos com a po­lí­tica de di­reita de que «não basta re­sis­tência e pro­testo», Ana Drago do Tempo de Avançar for­mulou uma ima­gi­na­tiva so­lução para vi­a­bi­lizar uma «agenda ina­diável para uma nova mai­oria». Para Ana Drago a questão re­sumir-se-ia a pôr num A4 meia dúzia de com­pro­missos que pu­desse unir aqueles que, se­gundo ela, «têm feito opo­sição» ao ac­tual go­verno».

A con­ver­gência é bem mais com­plexa do que a mi­ra­cu­losa ideia de que bas­taria, para a con­cre­tizar, juntar uns pro­e­mi­nentes com­pra­dores, apre­sentar as peças a leilão e ar­re­matar o lote. A ideia será sim­pá­tica mas é, no mí­nimo, li­geira. Con­ce­bida para sus­citar a adesão dos que as­piram le­gi­ti­ma­mente à con­ver­gência e nela iden­ti­ficam, como o PCP, uma con­dição ne­ces­sária para uma al­ter­na­tiva po­lí­tica, a pro­posta é, em boa ver­dade, não só pe­ri­gosa, como en­ga­nosa. Dei­xemos de lado quer a iden­ti­fi­cação dos que se en­cai­xa­riam no elenco de «todos os que têm feito opo­sição», quer o sig­ni­fi­cado do con­ceito de «par­tidos anti-aus­te­ri­dade» e fi­xemo-nos no es­sen­cial.

Sob a enig­má­tica in­tenção de al­cançar «um com­pro­misso acima das di­fe­renças» ilude a questão de­ci­siva: a na­tu­reza desse com­pro­misso e o seu al­cance para uma efec­tiva rup­tura com a po­lí­tica de di­reita. É aí que bate o ponto. Bem in­ten­ci­o­nadas de­cla­ra­ções contra a aus­te­ri­dade, ilu­só­rias re­fe­rên­cias ao «com­pro­misso eu­ropeu para o cres­ci­mento» darão jeito a al­guns, mas omitem o cru­cial. Ren­di­lhadas pa­la­vras pe­rante de­si­gual­dades so­ciais sem olhar para o que as de­ter­mina, con­vergir no aces­sório dei­xando de fora a re­ne­go­ci­ação da dí­vida, a re­cusa do Tra­tado Or­ça­mental, o com­bate à ex­plo­ração do tra­balho ou o con­trolo pu­blico de sec­tores es­tra­té­gicos só pode re­dundar em logro. Talvez se reu­nisse una­ni­mi­dade em torno de mi­nu­dên­cias ou de­cla­ra­ções de es­tado de alma. In­te­res­sante mas curto. A con­ver­gência, essa as­pi­ração e ne­ces­si­dade in­con­tor­nável que mo­bi­liza tantos de­mo­cratas e pa­tri­otas, só tem sen­tido se a ela cor­res­ponder o ob­jec­tivo de romper com a po­lí­tica de di­reita e abrir ca­minho a uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda. Querer dar-lhe outro sen­tido é um logro e só so­mará novas de­si­lu­sões.




Mais artigos de: Opinião

Mais exploração<br>e empobrecimento

O Go­verno di­vulgou, na se­mana pas­sada, dois novos pa­cotes de me­didas para o pe­ríodo de 2016-2019, cuja dis­cussão na As­sem­bleia da Re­pú­blica es­tava agen­dada para ontem: o Pro­grama de Es­ta­bi­li­dade e o Pro­grama Na­ci­onal de Re­formas.

Obscenidade

Num País onde até a ideia de ter filhos é precária, o Governo que tornou descartáveis os pais em potência no presente e no futuro próximo lançando-os no desemprego, reduzindo-os a quinhenteuristas ou mandando-os emigrar, deu agora em dizer que está preocupado...

<i>Não passarão</i>

Vive-se tempos perigosos no mundo e a Europa não é excepção. Atente-se na Grécia e na política e engrenagem da troika que prossegue com zelo felino a asfixia económica e financeira do país, social e economicamente destroçado, preparando o terreno para um...

«Empate técnico»

PS, PSD e CDS têm vindo a promover o condicionamento político por «sondagens» que são pouco mais que o contrabando dos seus interesses, ao mesmo tempo que o poder económico-mediático, para assegurar a continuação da política de direita, no quadro da...

«Filantropia cultural»

Merece referência um livro agora publicado: «Artwash» («ArteLavagem», Mel Evans, Pluto Press, 2015). Fala da lavagem de imagem que as grandes multinacionais petrolíferas (Exxon, Shell, BP) operam através da «filantropia cultural». A publicação...