«Filantropia cultural»

Filipe Diniz

Merece re­fe­rência um livro agora pu­bli­cado: «Artwash» («Ar­te­La­vagem», Mel Evans, Pluto Press, 2015). Fala da la­vagem de imagem que as grandes mul­ti­na­ci­o­nais pe­tro­lí­feras (Exxon, Shell, BP) operam através da «fi­lan­tropia cul­tural».

A pu­bli­cação as­si­nala o 5.º ani­ver­sário da ex­plosão da pla­ta­forma de ex­plo­ração offshore da BP no Golfo do Mé­xico, De­epwater Ho­rizon. Al­guns dados nu­mé­ricos de uma longa lista pu­bli­cada na al­tura (In­de­pen­dent, 14.09.2010): a BP previu um vo­lume diário de der­ra­ma­mento de 1000 barris. O vo­lume real foi de 53 000 por dia. Entre 50 e 60 por cento do pe­tróleo der­ra­mado per­ma­neceu no mar, 35 por cento po­derá ter-se eva­po­rado, apenas foi pos­sível re­tirar três por cento. São mi­lhares as es­pé­cies ma­ri­nhas afec­tadas. São mi­lhões e mi­lhares de mi­lhões os danos, in­dem­ni­za­ções, os gastos em pro­cessos ju­di­ciais, ope­ra­ções de re­la­ções pú­blicas, etc. Má imagem e mãos sujas de crude.

Do­cu­mentos re­ve­lados em 2011 in­formam que, meses antes da in­vasão do Iraque, a BP reuniu com o go­verno de Blair: «O Iraque é uma grande pers­pec­tiva pe­tro­lí­fera. A BP está de­ses­pe­rada para en­trar ali e an­siosa re­la­ti­va­mente a que acordos po­lí­ticos não lhe ve­nham a negar essa opor­tu­ni­dade». Em reu­nião an­te­rior, um res­pon­sável go­ver­na­mental es­cla­recia: «A Shell e a BP não po­de­riam dar-se ao luxo de não obter uma po­sição no Iraque […]. Es­tamos de­ter­mi­nados em con­se­guir para as em­presas do Reino Unido uma boa fatia da ac­ti­vi­dade num Iraque pós-Saddam». É claro que na al­tura tanto Blair como a BP e a Shell men­tiram sobre a questão. Má imagem e mãos sujas de sangue.

Então, que fazem estes gi­gantes ca­pi­ta­listas para lavar o sangue e o crude der­ra­mado? Entre ou­tras coisas, fazem «fi­lan­tropia cul­tural». A BP, com sede na Grã-Bre­tanha, pa­tro­cina aí grandes mu­seus e com­pa­nhias de ópera. Po­deria talvez dizer-se que isso nada terá de con­de­nável na so­ci­e­dade em que vi­vemos. Mas tem. O livro de­monstra que estes pa­tro­cí­nios vêm em regra acom­pa­nhados de uma ac­tu­ação cen­sória: es­ta­be­lecem con­di­ções para o que apoiam. Nada que não se sou­besse já acerca do fa­moso «me­ce­nato».

Porque uma coisa é pa­tro­cinar «as artes». Outra coisa é lidar com a di­mensão de li­ber­dade que qual­quer ex­pressão ar­tís­tica ne­ces­sa­ri­a­mente contém. E essa as mul­ti­na­ci­o­nais não to­leram.




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