Claudicar ou romper
1. No momento em que estas linhas são escritas não é conhecido ainda o resultado da reunião do Eurogrupo, a segunda no espaço de uma semana e após um Conselho Europeu informal, para discutir a dívida grega e o tipo de «saída» da Grécia do segundo programa da troika.
Por estes dias, Cavaco e Passos lembram os «esforços» que Portugal fez para «ajudar» a Grécia, como justificação para cortar cerce qualquer veleidade de renegociação da dívida grega, que seja susceptível de aliviar o insuportável peso da mesma. Não vá Merkel distrair-se. Falam da «ajuda europeia» e da «ajuda» de Portugal, votada na Assembleia da República, em 2010, no âmbito de um programa assente em empréstimos bilaterais, já então com a famosa condicionalidade política associada. «Ajuda» que contou com os votos favoráveis de PSD, CDS, PS e BE.
Desde então, a Grécia viu sucederem-se as «ajudas» do género. Como consequência, a dívida disparou e mesmo depois de um cancelamento parcial atinge hoje os 177 por cento do PIB. Um total de 321,7 mil milhões de euros, dos quais cerca de 80 por cento está nas mãos dos «credores oficiais».
As instituições e os governos da UE consideram que apesar deste imenso stock de dívida, a «dinâmica» da mesma é favorável. Pouco importa que em três anos um quarto do PIB tenha sido destruído, tal foi a dimensão do «ajustamento»; que a pobreza e o desemprego atinjam milhões de gregos; que as funções sociais do Estado tenham sido severamente atacadas, a ponto de milhões de gregos não terem hoje acesso a assistência médica; que os recursos do país sejam crescentemente dirigidos ao serviço da dívida. A Grécia está no bom caminho, asseguram. Em 2014, o país teve um saldo orçamental primário positivo (o diferencial entre receitas e despesas do Estado, descontando o que é pago em juros) de 2,7 por cento. Um valor superior ao da Alemanha. Mas não chega. É necessário comprimir mais a despesa pública e extorquir mais impostos, de forma a que este saldo atinja os 4,5 por cento até 2016. É este o preço imposto pela UE sobre a gigantesca dívida grega.
Nas últimas eleições, os gregos disseram claramente que queriam pôr fim a este pesadelo. Ora, é absolutamente claro que não será possível fazê-lo se não se reduzir substancialmente os encargos com a dívida.
2. O que ficou escrito acima é verdade para a Grécia e é igualmente verdade para Portugal.
Com uma dívida que ascende aos 130 por cento do PIB e cuja taxa de juro implícita é superior à da Grécia, Portugal, para além de tudo o que significou a intervenção da troika, estará sujeito nos próximos anos, na ausência de uma renegociação da dívida – que PSD, PS e CDS continuam a rejeitar –, a uma sangria de recursos que os números que seguem evidenciam de forma eloquente. De acordo com estimativas da Comissão Europeia, sairão do país, em juros da dívida, até 2020, cerca de 60 mil milhões de euros. Tal equivale sensivelmente ao triplo daquilo que virá da UE, no mesmo período, sob a forma de fundos estruturais e de investimento.
Em face destes números, as promessas de acabar com a austeridade, feitas por quem recusa a renegociação da dívida e por quem, ao mesmo tempo, submete o país aos ditames do Tratado Orçamental (assinado por PS, PSD e CDS), têm o mesmo valor do que as promessas feitas por Passos Coelho há quatro anos, de que não iria aumentar os impostos, nem cortar os subsídios de férias e Natal.
3. A urgência das negociações sobre a dívida grega decorre, em parte, dos pagamentos mais ou menos substanciais que a Grécia deverá fazer aos credores nos próximos meses, nomeadamente ao FMI e ao BCE.
Na ausência de um corte nos montantes da dívida e/ou do dilatar no tempo dos pagamentos previstos, ou seja, na ausência de uma renegociação da dívida (envolvendo juros, prazos e montantes), o problema está colocado: onde e como arranjar condições para o financiamento do Estado? Onde e como arranjar dinheiro para pagar a dívida e ao mesmo tempo pagar os compromissos eleitorais do novo governo?
O acesso aos mercados financeiros está vedado pelas taxas de juro astronómicas e proibitivas. O financiamento via UE e/ou FMI estará seguramente dependente de medidas de condicionalidade política que os gregos acabaram de rejeitar nas eleições. A emissão de moeda própria está fora de hipótese no quadro da permanência no euro. Ou seja, o quadro de opções decorrente das negociações com a UE, e tendo presente a complexa teia de constrangimentos por esta imposta, não é amplo e, em qualquer caso, parece empurrar os gregos para uma de duas opções: claudicar ou romper.