O pároco da aldeia!

João frazão

«Os senhores ainda não perceberam o que é a vida de um Presidente da República», diz Cavaco, quando questionado sobre as conversas que teve com Ricardo Salgado, promovido por Cavaco a «dono disto tudo» e agora o principal rosto do monumental colapso financeiro do BES e do seu grupo económico que, está bem de ver, há-de ser pago pelos seus trabalhadores, pelos pequenos aforradores e pelo povo português.

Cavaco Silva invoca as mais de 2500 audiências que já concedeu para se recusar a prestar depoimento por escrito perante a Assembleia da República, dizendo que é necessário que as pessoas que falam com ele tenham a certeza absoluta de que o conteúdo das conversas não é divulgado.

Cavaco está a ver mal este filme.

Desde logo, porque estando nós a falar de duas conversas, imaginamos que Cavaco tivesse consciência de que se tratava do responsável de um dos maiores grupos económicos do País, em que estava envolvido o maior banco privado português, com uma quota de mercado acima dos 20%, e dos impactos que na economia nacional e na vida de milhares de portugueses teriam os desenvolvimentos na sua situação.

Mas também porque Cavaco, ainda que diga o contrário, deu o seu aval à situação económica do BES, dizendo que o Banco de Portugal tinha assegurado que estava tudo bem.

E o povo português tem direito a saber se o mais alto magistrado da nação repetiu informações do Banco de Portugal, depois de saber serem falsas, com isso tranquilizando, eventualmente, alguns dos burlados pelo aumento de capital.

E finalmente porque, ao contrário do que parece imaginar Cavaco, o papel do Presidente não é o de pároco de aldeia, quanto mais de cardeal. Os cidadãos sérios que vão conversar com o Presidente da República fazem-no, não para que as conversas fiquem no sigilo absoluto, como se estivessem em confissão, mas pelo contrário, pretendem que o Presidente faça chegar, a quem de direito, as suas preocupações, para as ver resolvidas.

Ninguém vai a Belém à espera de ser absolvido.

Ninguém? Se calhar não é assim. Ricardo Salgado, e com ele o capitalismo, vieram de lá com os pecados todos perdoados. Como se vê!

Cavaco Silva sabe bem o que é a vida do Presidente da República. Não faz é ideia nenhuma de qual deve ser o seu papel, de defesa do interesse nacional.




Mais artigos de: Opinião

A linha da pobreza

Os números sobre a pobreza que o Instituto Nacional de Estatística divulgou no passado dia 30 são um enorme libelo acusatório à política de direita, ao Governo e aos subscritores do pacto de agressão. A vida é sempre mais complexa do que as...

A «fatwa» de António Barreto

Há muitas razões para defender a Constituição da República, e algumas delas nem precisam de argumentação. Por exemplo: António Barreto não gosta dela. O facto desse personagem a considerar «funesta» (Jornal I, 31.01.2015) é...

«Ilusionismos» da União Europeia

As reacções da União Europeia perante as medidas anunciadas pelo governo grego, na sequência das eleições realizadas a 25 de Janeiro neste país, colocam em evidência o imenso cinismo e hipocrisia em torno da propalada «solidariedade» e «ajuda» da UE ao povo grego.

A peçonha

A áulica trupe que nos governa caracoleia actualmente contra a «Grécia do Syriza», onde deu mote o protocolo do primeiro-ministro Coelho a classificar o programa do seu congénere helénico como «um conto de crianças», seguindo-se decorrências dos comparsas...

Ils sont Abdullah

Aproveitando-se da indignação pelos crimes de Paris, dirigentes políticos mundiais desfilaram de braço dado para TV ver, longe da multidão. Na primeira fila dessa alegada marcha anti-terrorista seguia boa parte dos principais responsáveis pelo terrorismo de Estado nos nossos...