A «fatwa» de António Barreto

Filipe Diniz

Há muitas razões para defender a Constituição da República, e algumas delas nem precisam de argumentação. Por exemplo: António Barreto não gosta dela.

O facto desse personagem a considerar «funesta» (Jornal I, 31.01.2015) é suficiente para se concluir que a Constituição foi e continua ainda a ser algo de bom para os trabalhadores e o povo. E para os democratas.

António Barreto é um oráculo que os jornais que temos (e sobretudo os seus proprietários) reverenciam. Sabem que sempre que vão registar o seu notável pensamento irão colher novas e velhas tiradas reaccionárias, somando esta «respeitada opinião» (é o jornal que o diz) ao chorrilho quotidiano dos seus colunistas e editorialistas. Se não são os «direitos sociais insustentáveis» é a «funesta Constituição» que os consagra, uns e outros produto da Revolução de Abril, essa «revolução obsoleta». «Revolução do século XIX, princípio do século XX» que, graças ao nosso crónico atraso, demorou quase um século a chegar. Que gerou uma espantosa e épica Reforma Agrária construída e dirigida pelo proletariado rural, em cuja destruição Barreto e o 1.º governo de Mário Soares desempenharam um papel central.

Vota à Constituição o mesmo visceral ódio que o moveu contra a Reforma Agrária. Tem de ser «limpa dos seus ónus ideológicos»matérias laborais, de saúde, de educação, de segurança social, de organização do Estado, função das autarquias e justiça», está claro), tem de ser «limpa do método d’Hondt, do sistema proporcional, da ideia de que os deputados são eleitos por listas» e, no fundo, de tudo o que contenha de democrático. Do alto da sua arrogância, aponta um caminho para a revisão que não deve passar em claro. É que se a revisão não for feita a bem, «terá de ser feita a mal». Perante a incredulidade da jornalista, explica: «Um golpe de Estado, uma revolução, pronunciamentos ou assassinatos». Nem mais.

De facto, não olhou a meios na aplicação da «lei Barreto». Uma lei criminosa aplicada por meios criminosos. Para usar a linguagem do fundamentalismo islâmico agora tão referida, desta vez lançou uma «fatwa» sobre a Constituição e quem a defenda. Resta saber se mais alguém fala pela boca desta sinistra criatura.




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