A serpente

Correia da Fonseca

Antes mesmo de co­nhe­cidos os re­sul­tados das elei­ções gregas, mesmo muitos dias antes, já vá­rios pe­ritos em Po­li­to­logia, essa re­cente ci­ência que com tanto êxito ainda há poucos anos de­sem­barcou na te­le­visão, nos ha­viam ad­ver­tido de que o voto grego não viria mudar nada de re­le­vante. Terão razão, é claro; de resto, para a terem é que de­certo du­rante muito tempo es­tu­daram para in­te­li­gentes, como se per­cebe logo que os es­cu­tamos. Porém, al­guma coisa de ten­den­ci­al­mente po­si­tivo re­sultou destas elei­ções, ou me­lhor, do seu en­vol­vi­mento te­le­vi­sivo, di­gamos assim. Nos dias que an­te­ce­deram o acto elei­toral, foram re­por­ta­gens e do­cu­men­tá­rios que nos avi­saram da ro­bustez que ca­rac­te­riza os re­gres­sados mo­vi­mentos as­su­mi­da­mente ne­o­nazis na Grécia e não só. E no pró­prio do­mingo, a te­le­visão propôs-nos também um olhar para o pas­sado afinal não muito dis­tante: o canal Dis­co­very, as­si­na­lando o 70.º ani­ver­sário da che­gada das tropas so­vié­ticas ao campo de Aus­chwitz, trans­mitiu du­rante todo o dia do­cu­men­tá­rios acerca da Se­gunda Guerra Mun­dial, do seu preço e dos seus hor­rores, in­cluindo um do­cu­men­tário es­pe­ci­al­mente fo­cado sobre «A as­censão do par­tido nazi», e o AXN Black, in­sus­peito de mi­li­tân­cias ide­o­ló­gicas, trans­mitiu o filme «O Ca­pital», do grego Costa-Gravas, que aborda causas e con­sequên­cias da crise que con­tinua a «per­correr a Eu­ropa, o mundo», como por cá também tris­te­mente sa­bemos. Com tudo isto, dir-se-ia que até a te­le­visão neutra se dispõe a alertar quanto ao re­gresso da ser­pente de que há anos nos falou o sueco Ingmar Bergman. De­certo na es­pe­rança de um dia ser ou­vido.

His­tória

Na tarde do pas­sado do­mingo, ainda um par de horas antes de serem co­nhe­cidos, em­bora já pre­vistos, os re­sul­tados das elei­ções gregas, a SIC No­tí­cias trans­mitiu mais uma emissão do «Ponto Contra Ponto», o pre­cioso pro­grama de José Pa­checo Pe­reira. Desta vez, Pa­checo Pe­reira falou da Grécia, da ac­tual mas re­mon­tando também a um pas­sado que a al­guns pode pa­recer já dis­tante, mas não o é. Re­feriu-se às ter­rí­veis di­fi­cul­dades que os gregos en­frentam, à sua dí­vida, à ati­tude im­pla­cável da UE sob a li­de­rança alemã, mas re­cuou no tempo e lem­brou o que acon­teceu à Grécia nos anos 40 do pas­sado sé­culo: a in­vasão nazi e pos­te­rior ocu­pação, a morte de cerca de 150 mil gregos sob as balas e as bombas alemãs, a pi­lhagem du­rante os quatro anos de ocu­pação, a im­po­sição de um ale­gado «em­prés­timo» da Grécia à Ale­manha nazi que nunca foi in­te­gral­mente de­vol­vido ao país es­po­liado graças a um acordo de facto im­posto à Grécia li­ber­tada mas frágil no plano di­plo­má­tico. Ou­vimos, pois. E com­pre­en­demos me­lhor.

Contra

Há um pouco menos de um ano, o diário «Cor­reio da Manhã» lançou uma sua ver­tente te­le­vi­siva: um canal dis­tri­buído por cabo, o CMTV, com o mais que le­gí­timo ob­jec­tivo de vir a con­quistar, em ho­ri­zonte tem­poral não muito dis­tante, a maior au­di­ência dos ca­nais por­tu­gueses aces­sí­veis por essa via. Neste quadro, o novo canal trans­mitiu no pas­sado sá­bado um de­bate acerca do «Caso Só­crates», para ele con­vi­dando João So­ares, as­su­mido amigo do ex-PM, e o ad­vo­gado Fran­cisco Tei­xeira da Mota talvez mais pro­penso à neu­tra­li­dade. Quanto ao «lado anti-Só­crates», passe esta fór­mula um pouco tosca, es­teve re­pre­sen­tado pelo jor­na­lista que fun­ci­o­nava como apa­rente mo­de­rador do de­bate e pelo di­retor-ad­junto do jornal, ambos ainda re­for­çados, em­bora em «soft way», por Joana Amaral Dias, fre­quente co­la­bo­ra­dora do canal. De tudo isto, e por­ven­tura de al­guma coisa mais, re­sultou que o de­bate ad­quiriu uma efec­tiva função acu­sa­tória talvez pouco com­pa­tível com a neu­tra­li­dade com que os te­les­pec­ta­dores so­nham nestes casos. Mas terá tido uma boa au­di­ência. Isto é: o CMTV deu mais um passo po­si­tivo no seu tra­jecto.




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