A ruptura

Nuno Gomes dos Santos

Há uma canção – «Father and Son» (pai e filho), de Cat Stevens – que nos transmite um diálogo entre um pai e seu filho, na hora em que o mais novo decide a partida, mais do que a separação umbilical, a divergência de caminhos. Poucos terão reparado na mensagem final, quando o filho, perante a afirmação do progenitor («It's not time to make a change» – não é altura de fazer a mudança), responde: «If they were right I'd agree» (se eles tivessem razão eu teria concordado). Mas, pelos vistos, «eles» não tinham razão. E continuam a não ter...

Na canção, razões dá-as o filho: que não o ouviram; que não lhe escutaram o choro; que não quiseram saber das suas preocupações ou das suas necessidades. A questão não é a de um dia inevitável em que um jovem deixa, porque é a ordem natural do percuso da vida, a casa dos pais para construir a sua, mas a da separação de caminhos, de ideias, de modelar o futuro.

Relembrei «Father and Son» numa audição melancólica de canções de antanho, numa altura, esta, em que os fios que costuram o nosso quotidiano se enovelam num tropeço de percursos emaranhados e confundidos, baralhados em trapalhadas urdidas no país de Carnaval em que se tornou este em que (sobre)vivemos a custo, mal sabia Jorge Amado destas andanças, nem Chico Buarque o esperaria quando cantou, sobre um Portugal que despontava, «lá faz Primavera, pá».

E aqui estamos nós, de olhar embasbacado, a ver e a saber da nova vaga de emigração, das escolas e centros de saúde que fecham, de mortes nas urgências quando a hora ainda não era a de falecer, de professores, médicos e enfermeiros humilhados no exercício das suas indispensáveis profissões, de funcionários públicos roubados nos salários e no lazer, de reformados atirados para um Inverno precoce quando a vida devia ser ainda o tempo de um Outono feliz, de desesperança num futuro mutilado por um presente vergonhoso.

Tudo isto por causa de uma canção?, perguntarão. Responderei que não apenas por isso, mas também, porque há canções que merecem mais do que o trauteio que fazemos delas. Mas, mais do que por causa das respostas de um filho a seu pai, quer-se dizer: de um jovem que quer uma vida diferente daquela que «eles» cuidam de boicotar, tudo isto que escrevo me vem de pensar que nos cabe a nós completar a balada que deu mote a esta prosa.

Pensemos então que tendo o filho partido, partiu para onde? A fazer o quê? Que resposta terá dado às questões que não lhe eram respondidas?

Alarguemos o âmbito da situação. Se o «pai» não é mais do que a defesa do que existe, da manutenção das coisas tal como estão, que «filhos» seremos nós? Partiremos para onde? A canção termina com «I know I have to go» (sei que tenho de partir), mas também José Régio escreveu «só sei que não vou por aí», ambos, canção e poeta, saindo de uma cena para outra. Mas qual?

Compete-nos dar resposta, finalizar um propósito, escolher um caminho. Não basta partir. É preciso escolher o melhor caminho para chegar à margem oposta daquela em que querem que permaneçamos sem nós o querermos. Se é para atravessarmos o rio teremos de ter força nos remos!




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