Eurochantagem na campanha
A duas semanas e meia dos gregos irem às urnas, multiplicam-se as declarações que visam condicionar a escolha numas eleições desencadeadas pelo falhanço da designação do presidente da República, mas onde o tema dominante é a subserviência do país à política de «austeridade».
A presença da Grécia na zona euro é «irrevogável», diz Comissão Europeia
A dissolução do parlamento helénico no último dia de 2014 deu início à segunda fase da eurochantagem sobre o povo grego, a qual deverá continuar ao rubro até ao dia do sufrágio, agendado para o próximo dia 25 de Janeiro.
O hemiciclo foi dissolvido depois de terem falhado três tentativas de eleição do presidente da República, entre apelos à «sensibilidade» dos deputados, respeito pelos credores internacionais e à não provocação de «ira dos mercados».
Nas duas primeiras votações, o candidato apresentado pelo primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, e apoiado pela coligação governamental composta pela Nova Democracia (ND) e pelo Partido Socialista Pan-Helénico (PASOK), obteve 160 e 168 votos favoráveis, respectivamente. No derradeiro pleito, dia 29 de Dezembro, quando só necessitava de três quintos dos votos dos deputados, e já não dos dois terços exigidos nas votações anteriores, o antigo comissário europeu, Stavros Dimas, não obteve os necessários 180 votos entre os 300 parlamentares para que fosse designado chefe de Estado. O facto obrigou à convocação de legislativas antecipadas, conforme determina a Constituição da Grécia.
Desde então, avultam as declarações, oficiais ou oficiosas, que não podem ser entendidas senão como uma forma de condicionamento das escolhas políticas. As declarações do presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Junker, que disse preferir «caras conhecidas [no governo grego]», ou o périplo do comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, à Grécia, em Dezembro, entre votações no parlamento local e tecendo palavras laudatórias ao governo, são já suaves face às que lhes sucederam.
Ao rubro
São disso exemplo as declarações do ex-presidente da CE, Durão Barroso, que anteontem, 6, alertou para as «consequências» de um eventual incumprimento dos compromissos e regras de permanência no euro por parte da Grécia, e, considerando a «situação na zona euro muito melhor do que há alguns anos», colocou a hipótese «de que os outros países desistam, por assim dizer, da Grécia»; ou da porta-voz da CE, Annika Breidthardt, para quem a pertença à moeda única é «irrevogável».
Breidthardt comentava o conteúdo, não confirmado mas também não desmentido, de uma notícia publicada pela revista alemã Der Spiegel, segundo a qual a chanceler Angela Merkel e o ministro das Finanças germânico, Wolfgang Shäuble, encaram como «inevitável» e até «suportável» que a Grécia abandone a zona euro caso o Syriza vença as eleições.
A alegada convicção de Merkel e Shäuble não é pacífica para o segundo partido da coligação na Alemanha, tanto mais que o vice-chanceler e líder do SPD, Sigmar Gabriel, veio a público deixar claro que «o governo grego – seja ele quem for – tem de respeitar os acordos com a UE». O seu correlegionário de partido e presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz, promove, no próximo fim-de-semana, uma reunião em Estrasburgo entre François Hollande, presidente da França, e Angela Merkel. Os «assuntos europeus» estão em cima da mesa, anunciou-se.
O partido liderado por Alexis Tsipras é o principal favorito à vitória, surgindo em todas as sondagens à frente da Nova Democracia. O discurso anti-austeridade e a proposta de redução negociada da dívida do país (197 por cento do PIB, mesmo depois de um perdão de metade já concedido) captam o descontentamento do eleitorado grego, mas na verdade o Syriza não propõe uma ruptura significativa. Por trás das palavras inflamadas, o Syriza pretende manter a Grécia no euro e na UE e assumir um valor da dívida que seja sustentável, como, aliás, confirmou George Stathakis, um dos principais conselheiros de Tsipras, que em recente périplo europeu explicou que «o partido já não é o mesmo de 2012».
Ingerência
Confrontados com as declarações do presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Junker, e do comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, durante a deslocação deste último à Grécia, os deputados do PCP no Parlamento Europeu pretendem saber como avalia a CE «estas manobras de clara ingerência nos assuntos internos gregos e se não está na disposição de manter uma posição neutra e equidistante, respeitando assim a vontade e o poder de decisão do povo grego».
Na pergunta escrita entregue a 17 de Dezembro pelo eleito comunista Miguel Viegas, lembra-se que «a Grécia tem sido, ao longo dos últimos anos, um país particularmente fustigado pelas políticas de austeridade impostas pela troika», e que «neste momento, a taxa de desemprego situa-se nos 25,7 por cento, sendo que ao nível dos jovens a taxa sobe para 49,8 por cento. A taxa de pobreza atinge níveis recorde (23,1 por cento), facto que devemos atribuir à destruição do Estado social», acrescenta-se.