A obscenidade
Ao dealbar um novo ano – 2015, de sua graça – é uso balancear o que expirou. Só que o ano agora passado é a peça dum todo (que não vamos convocar para análise, evidentemente).
À História está reservado o grande balanço a fazer da Revolução de Abril (onde serão acertadas as grandes e verdadeiras contas), mas se queremos falar seriamente do que fez e desfez o Governo Passos/Portas neste ano que passou e na legislatura que comandou, não podemos esquecer o passado que levou gente como esta à governação do País.
Esse longo passado foi conduzido por PS e PSD (com o CDS como muleta), desde a contra-revolução pura e dura pastoreada por Mário Soares, ao cavaquismo das privatizações, da captura do poder democrático pela renascida plutocracia bancária e financeira (que nos últimos anos implodiu em sucessivas burlas), da destruição da frota e das pescas, da indústria nacional e da agricultura, a que se seguiu Guterres, que prosseguiu as linhas mestras do cavaquismo enquanto roteirava da «política com coração» ao «pântano» donde fugiu, seguindo-se novo fugitivo, o Barroso, e a paródia do Governo de Santana, que tragicamente deu a maioria absoluta a Sócrates, para que este encetasse a erosão programada da Saúde, do Ensino e das funções sociais do Estado trazidas por Abril.
É neste ponto que a coligação Passos/Portas se engendra, para forjar uma maioria absoluta a partir de magros resultados (PSD-38%, CDS-11%), nas eleições de 2011.
A coberto da sujeição do País à troika (cuja aceitação foi feita por PS, PSD e CDS, tal como a política que conduziu ao descalabro), chegou ao poder uma direita revanchista e sem cultura democrática, que apostou apagar quase quatro décadas de construção da democracia no Portugal saído da Revolução de Abril. Era o «novo paradigma», boquejado por um Coelho impante de prosápia.
Passados quatro anos, o Portugal de Abril foi golpeado pela ofensiva grosseiramente inconstitucional do Governo, amparada por um Presidente da República cuja actuação não se configura com o perfil constitucional definido para o cargo que ocupa (e de que a História também dará devida conta).
Por isso, o ano que passou não é uma peça isolada, antes parte integrante da delapidação das regras e do regime democráticos levada a cabo pelo Executivo Passos/Portas, mentindo em cada acto governativo e a tal ponto, que o sucessivo dito e desmentido se tornou regra de funcionamento, destruindo a confiança dos cidadãos no Estado (que deixou de ser «pessoa de bem» em que se pode e deve confiar), tornando-se já insuportável o à-vontade com que toda esta gente se afirma e se desmente, promete e falta ao prometido e utiliza a mentira sistemática como fundo de maneio governativo.
«Segurar» esta obscenidade é, já, demasiado obsceno...