Reconhecer a Palestina

Ângelo Alves

Reconhecimento do Estado da Palestina tem valor político e simbólico

A Assembleia da República discutirá brevemente a questão do reconhecimento do Estado da Palestina. Vários Projectos de Resolução – entre os quais um do PCP - têm em comum a intenção de fazer com que o Governo português faça aquilo que já 135 governos no Mundo fizeram – reconhecer o Estado da Palestina.

O processo do reconhecimento do Estado da Palestina tem valor político e simbólico. O facto de a maioria dos Estados membros da ONU ter avançado para esse reconhecimento é importante para a luta daquele povo. Mas simultaneamente não nos deve descansar. Seria um erro pensar que tal reconhecimento significaria por si só um avanço na luta do povo palestino. Não. Significa tão somente mais um instrumento para, no plano do direito internaciona,l se prosseguir a luta pelos direitos nacionais do povo palestino à sua pátria, independente e soberana, ao seu Estado edificado nas fronteiras anteriores a 1967, com capital em Jerusalém Leste, e ao direito de regresso dos milhões de refugiados que foram expulsos das suas terras nas sucessivas ondas de guerra, anexação e ocupação de Israel.

A questão palestiniana está cada vez mais complexa e difícil, e contrariamente ao que se poderia esperar, o reconhecimento do Estado da Palestina, mesmo pelos estados da União Europeia, não altera quase em nada a hipocrisia e a cumplicidade que caracterizam o posicionamento da mal chamada «comunidade internacional». Bastaria olhar para o verão passado e para a impunidade com que Israel desatou uma autêntica carnificina na Faixa de Gaza para demonstrar o que acima se afirma.

Assim, esse reconhecimento tem de ser acompanhado de clareza quando se fala do reconhecimento do Estado da Palestina. Muitos vão insistir com a questão dos dois Estados (Israel e Palestina) e da sua coexistência pacífica, coexistência aliás expressa em numerosas resoluções das Nações Unidas (nomeadamente a 181) que os palestinianos sempre respeitaram e que Israel nunca respeitou. Independentemente da hipocrisia que leva alguns a erigirem esta como a questão central, a verdade é que na actualidade ela adquire uma importância grande, mas exactamente no sentido oposto. Ou seja, a pergunta «estará Israel disposto a coexistir pacificamente com a Palestina?» adquire uma actualidade gritante.

Em primeiro lugar porque ano após ano, guerra após guerra, anexação após anexação, Israel tem prosseguido impunemente uma política que só pode ser caracterizada de ocupação sistemática, de colonização, de limpeza étnica e de apartheid. Em segundo lugar porque a evolução da política interna e externa de Israel demonstra cada vez mais que Israel não quer «trocar terra por paz». Pelo contrário. No plano externo Israel lança-se em novas provocações como o recente bombardeamento nos arredores da capital síria ou o apoio, confirmado em relatórios da ONU, aos terroristas do Estado Islâmico que continuam a semear o caos e a violência na Síria. No plano interno, e da questão palestiniana, os últimos desenvolvimentos confirmam uma ainda maior deriva radical e fascista. Ao apresentar a sua «Lei básica do Estado Judeu», uma espécie de Sharia Judaica, Netanyahu dá seguimento a uma agenda de provocação racista interna que a par com sucessivas provocações na Cisjordânia e com a guerra em Gaza, tenta criar um caldo de insegurança que lhe permita consolidar a ocupação e colonização e avançar para a expulsão da minoria árabe de Israel e dos territórios ocupados. A dissolução do Knesset (o parlamento israelita) e a marcação de eleições antecipadas para Março serve essa agenda demonstrando que o que está em causa com essa manobra é o abandono total de qualquer perspectiva de paz e de coexistência pacífica entre dois estados.

Competirá ao povo Israelita, que é também vítima desta política, contrariar tais tendências. Entretanto só uma postura de clareza e de inequívoca solidariedade com a Palestina poderá impedir Israel de se lançar em novos crimes contra o povo palestiniano forçando o poder sionista a respeitar a legalidade internacional. E isso sim, é reconhecer a Palestina.




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