Os três pontos
Na semana passada falámos aqui da entrevista de Cavaco em que o cavalheiro afirmou – ao jeito de uma outra declaração que no meio do lamaçal em que o País estava envolvido dizia que «está tudo bem e não podia ser de outra forma» – que as eleições serão na data prevista pela lei e ponto final. Cavaco enganou-se na pontuação.
Poucos dias bastaram para que à degradação da situação económica e social, que insiste em contrariar o discurso fulgurante do Governo, se juntasse (não apenas agora com a chamada Operação Labirinto, envolvendo directamente altas figuras da Administração do Estado, mas também Paulo Portas que é o pai dos Vistos Dourados e Passos Coelho que é quem tutela o SIS) o apodrecimento da vida pública nacional, com um Governo que cai aos pedaços.
Na verdade, quando Cavaco, no seu afã de salvar a política de direita, afirmou que não poderia utilizar a «bomba atómica» da dissolução da AR e da demissão do Governo, a não ser em situação de grave crise, já sabia do grave escândalo do Grupo BES/GES, que lesa os cofres públicos, da grave situação do início das aulas, que põe em causa o próprio ano lectivo, do grave colapso da abertura do ano judicial, com consequências que continuam a fazer-se sentir, ou do grave caso Tecnoforma, que, acabando por não ter sido completamente esclarecido, tendo sido remetido para o reino das prescrições, pôs em causa o próprio primeiro-ministro.
Comentadores, e mesmo destacadas figuras do PS – valorizando o figurão do ministro da Administração Interna, o mesmo que tem contra si e a sua política as maiores manifestações de sempre de agentes de autoridade de todas as forças policiais, o mesmo que, recorde-se, se viu envolvido, logo no início do seu mandato, na polémica das ajudas de custo a que dizia ter direito por viver em Braga, quando, de facto, vivia em Lisboa, e que conta ainda, no seu gabinete, com um historial de três demissões por situações pouco claras – apontam já caminhos para que o Governo se safe mais desta.
Em matéria de pontuação, aqui poder-se-ia usar um ponto de interrogação ou um ponto de exclamação face à incredulidade que tal moscambilha provoca em muitas boas almas. Poder-se-ia usar um ponto e vírgula, porque parecendo coisas diferentes isto anda mesmo tudo ligado. Talvez seja de usar os três pontos, porque estamos mesmo a ver que a procissão ainda vai no adro.