Comentário

TTIP para os «donos disto tudo»

Maurício Miguel

O acordo dito de livre comércio entre a UE e os EUA (TTIP na sua sigla em inglês) é uma das grandes bandeiras que a direita e a social-democracia agitam para a saída da crise. Do alto da sua desfaçatez e da arrogância do seu poder não se assumem impactos negativos, nos seus discursos só se desvendam vantagens múltiplas, mesmo que entre as ditas esteja a perda de milhões de postos de trabalho por quem nunca mais os virá a encontrar: os trabalhadores. Tudo o que envolve o TTIP põe de evidência uma profunda crise internacional do capitalismo, com as velhas potências imperialistas do eixo transatlântico a procurarem concertar-se entre si para contrariar a crise de que são o epicentro. O TTIP visa a liberalização das relações comerciais e, sobretudo, o nivelamento por baixo das leis e regulamentos que enquadram, principalmente, comércio, relações laborais, serviços públicos, investimento público e privado, segurança alimentar e ambiente, prevendo mecanismos ditos de resolução de litígios fora dos tribunais nacionais, tudo medidas cujo objectivo final é «eliminar barreiras» a uma maior margem de lucro. Trata-se de uma forma de responder à crise de sobreprodução e sobre-acumulação em que o grande capital está mergulhado, com a concentração e centralização de capital, a destruição de direitos, gerando mais despedimentos e desemprego, promovendo a concorrência acirrada entre trabalhadores pelos cada vez mais escassos postos de trabalho e por cada vez mais magros salários.

EUA e UE procuram contrariar a sua inexorável perda de hegemonia mundial face às chamadas potências emergentes, em particular a China, a qual procuram cercar através de um acordo que se encadeará noutros com a mesma lógica (acordos como a Parceria Trans-Pacífico, NAFTA, e outros) visando a imposição das suas regras neoliberais ao resto do mundo. Finalidades que de forma mais ou menos explícita foram assumidas pelo embaixador americano responsável pelas negociações ao afirmar que há «razões geoestratégicas fundamentais» para a celebração deste acordo. A «partilha de valores comuns», a «segurança internacional» e os «objectivos da acção externa» da UE são objectivos igualmente assumidos no mandato de negociação da Comissão Europeia. Há uma clara indissociabilidade entre os interesses económicos e geoestratégicos das potências que constituem a base fundamental da NATO (países da UE e os EUA) procurando contrariar rivalidades e dissonâncias e concertar uma mesma estratégia no processo de rearrumação de forças mundial em curso. Por isso foi necessária a reafirmação emanada da Cimeira da NATO no País de Gales relativamente aos «laços transatlânticos», e a «renovada dedicaçã à interligação entre «segurança» e a «promoção do comércio livre», incluindo «em matéria de defesa». A NATO aponta baterias para fora mas não descura a pressão interna entre os «aliados». O TTIP é mais um passo no amarrar dentro do conceito estratégico da NATO e da sua interpretação de «segurança» e de «defesa colectiva» as decisões e os compromissos que as suas principais potências vão assumindo no plano internacional.

O TTIP constituirá uma forte machadada na soberania dos estados e no seu inalienável direito de definir políticas económicas e sociais, de gerir os seus recursos naturais, de definir prioridades e enquadramento para o investimento público e privado, ou seja, de tomar decisões que defendam os interesses e aspirações do seu povo e o futuro independente e soberano do país.

O carácter secreto das negociações, o facto de apenas recentemente e depois de muitas pressões públicas a Comissão Europeia (CE) – que exerce uma competência nuclear da soberania nacional roubada aos países pelos tratados da UE – ter divulgado o mandato de negociação, demonstra uma clara necessidade de esconder objectivos e consequências, de afastar de qualquer auscultação e decisão os trabalhadores e os povos, os pequenos e médios agricultores, as PME, pequenos e médios comerciantes, as gentes da cultura, etc., afinal todos os que têm muito a perder com a concretização do TTIP. Se uns perdem, outros querem ganhar sempre mais, como a Mesa Redonda dos Industriais e a Businesseurope, ou seja o grande capital da UE, que antes reivindicavam o acordo e agora coordenam as negociações em estreita ligação com a sua congénere dos EUA – através do Trans-Atlantic Business Council. Mais um privilégio exclusivo dos que se julgam «donos disto tudo».

 



Mais artigos de: Europa

Trabalho com direitos!

Um mar de gente desfilou, dia 25, na capital italiana, em protesto contra a reforma das leis laborais, proposta pelo governo do Partido Democrático, que visa facilitar os despedimentos.

Luta na via-férrea

Os ferroviários belgas desencadearam na semana passada várias paralisações decididas localmente que levaram ao cancelamento de mais de meio milhar de comboios.

Húngaros contra taxa<br>da Internet

Mais de dez mil pessoas manifestaram-se, dia 16, em Budapeste, capital da Hungria, contra a intenção do governo de introduzir uma taxa sobre a utilização da Internet. Gritando «Libertem a Hungria, libertem a Internet», a multidão concentrou-se...

Estudantes contra cortes

O Sindicato de Estudantes de Espanha realizou três jornadas de luta, entre 21 e 23, em defesa da educação pública de qualidade, contra os cortes orçamentais e as políticas educativas do governo. A mobilização teve o apoio dos partidos de esquerda, como a IU e...