Não podemos
«Não podemos ceder à tentação fácil do populismo de ocasião», despediu pela Câmara de Lisboa abaixo o Presidente Cavaco Silva, por ocasião (já agora) da cerimónia do 5 de Outubro.
Não devemos fazer, acrescentou, «crítica sistemática e inconsequente» nem adiar reformas que «são discutidas desde há muito» sem que «se registem mudanças», coisas de que se dispensou de ilustrar, confiante que está na agudeza intelectual do «povo português».
Mas havia reprimendas na calha. «A insatisfação dos cidadãos e a sua falta de confiança nas instituições e, sobretudo, nos partidos» tem provocado o aumento da abstenção «em eleições sucessivas», o que ameaça «o próprio sistema democrático», a quem recomenda a sua receita particular: «que se entendam» (ficando mais uma vez a cargo da esperteza aguda «do povo» o descodificar de quem se deve entender – os cidadãos, as instituições, os partidos ou o «o próprio sistema democrático» – e com quem – se aos pares ou todos ao monte).
Rematou que «é cada vez maior a repulsa (sic) dos cidadãos mais qualificados pelo exercício de funções públicas», no que se esgotou a presidencial preocupação com o País. João Oliveira, do PCP, Ferro Rodrigues, do PS, e Luís Fazenda, do BE, apontaram ao Presidente que devia fazer uma autocrítica muito séria antes de atacar o regime democrático, «os partidos» e «o regime», tendo João Oliveira especificado que o presidencial discurso «ignora olimpicamente as dificuldades que os portugueses estão a enfrentar e, sobretudo, ignora as suas próprias responsabilidades» na degradação do regime, do sistema produtivo, da economia, do povo e do País.
No discurso presidencial não houve uma palavra para a corrupção política e económica – uma óbvia origem da «insatisfação dos cidadãos» e da sua «falta de confiança nas instituições» – nem sequer uma alusão aos escândalos sérios que paralisaram a Justiça com uma reforma irresponsável ou que, na Educação, prossegue o caos da colocação de professores e do início do ano lectivo por causa de um ministro inepto.
A «magistratura de influência», que aprendeu a invocar por cima de toda a folha, aqui nem piou. O «mais alto magistrado da nação» não parece preocupar-se que haja centenas de milhares de cidadãos sem acesso físico à Justiça nem que esta esteja literalmente bloqueada por um sistema informático de que não se tratou.
O erário político do Presidente Cavaco circula à volta de si próprio e está clarificado no seu percurso público. Foi o chanceler que disse nunca se enganar e raramente ter dúvidas, que achou estarmos «no pelotão da frente» da União Europeia por sermos tão «bons alunos», que chamou ao Tribunal Constitucional «força de bloqueio» e ficará na História como um Presidente da República despudoradamente ao serviço da Direita e de todas as suas tranquibérnias.
Notoriamente, não podemos dar ouvidos a tal figura.