Problema é político e não fiscal
Passos Coelho garantiu no Parlamento não ter recebido qualquer remuneração fixa da Tecnoforma enquanto foi deputado, mas reconheceu ter sido reembolsado em «despesas de representação». Não esclareceu foi nem os respectivos montantes nem entre que datas tal ocorreu.
O esclarecimento é devido em nome da transparência e da dignificação da própria política
As relações do actual chefe do Governo com aquela empresa e a questão das suas remunerações no período em que exerceu as funções de deputado – caso que veio a público na sequência de uma denúncia anónima que chegou à Procuradoria-Geral da República – dominou o debate quinzenal de sexta-feira passada.
Rejeitando que o combate à política do Governo possa ser sustentado na «fulanização ou em ataques pessoais», Jerónimo de Sousa abordou o debate partindo da perspectiva de que a questão é de natureza política e, nessa medida, exige cabal clarificação, em nome da «transparência».
«Nunca enquanto fui deputado recebi qualquer valor da empresa Tecnoforma», afirmou na sua intervenção inicial Passos Coelho, que acrescentou ter integrado uma organização não-governamental (ONG) – o Centro Português para a Cooperação –, em conjunto com administradores daquela empresa. Aí, referiu, desenvolveu actividades que na sua perspectiva eram compatíveis com as funções de deputado em exclusividade, admitindo, nesse âmbito, ter apresentado despesas de representação. «Durante esse período posso ter apresentado despesas de representação – de almoços que possa ter realizado, de deslocações que realizei seguramente durante esse período, quer a Bruxelas, quer a Cabo Verde, quer até dentro do território nacional», relatou.
Imprecisões
Saber a razão pela qual Passos Coelho não declarou essas despesas de representação, tal como fez com os rendimentos obtidos de colaborações em jornais, foi a questão que o Secretário-geral do PCP começou por colocar.
«Recebeu ou não? E se as recebeu, por que não as discriminou, como fez em relação às colaborações jornalísticas?», questionou, anotando que a imprecisão de Passos Coelho quanto a ter ou não recebido, associada à sua anterior afirmação «não me lembro» (disse-o, quando o assunto saltou para os jornais), «não ajuda nada ao esclarecimento desta matéria».
Em sua opinião, este não é, pois, um «problema fiscal». «É um problema político que envolve o primeiro-ministro e que precisa de esclarecimento, tendo em conta, inclusivamente, que as despesas de representação têm limites», esclareceu Jerónimo de Sousa. Ou seja, trata-se de saber se «recebeu ou não e, tendo recebido, saber se os limites não foram ultrapassados», sintetizou, recusando que este apuramento da verdade signifique «vasculhar» o que quer que seja.
«É em defesa do seu bom nome e da dignificação da própria política que esse esclarecimento é devido», insistiu.
À borla...
«Não tenho em consciência de justificar rendimentos que não auferi», respondeu Passos Coelho, explicando a razão que o levou a não mencionar no registo de interesses os valores relativos a despesas de representação efectuadas no quadro da colaboração com o Centro Português para a Cooperação, onde disse não ter cargos executivos e remunerados. Acrescentou ainda que os montantes não eram a título fixo e regular.
Na réplica, aludindo à afirmação do primeiro-ministro de que não tem «nenhum benefício ou ostentação de riqueza que possa ter resultado das funções de deputado nem de outras», Jerónimo de Sousa desfez equívocos lembrando que não o acusara de ser «multimilionário». O que é difícil de entender é que o primeiro-ministro «não se lembre nem precise se foi capaz de estar a trabalhar três anos para uma instituição sem receber, de borla», observou.
E por isso voltou à carga, reiterando que o problema «não é de natureza fiscal mas de transparência, que a AR exige».
Não sendo a questão esclarecida – e não o foi –, a «dúvida permanece, e ninguém ganha com isso», rematou Jerónimo de Sousa.
Subvenção vitalícia
Passos Coelho afirmou na abertura do debate que tinha direito a receber a subvenção mensal vitalícia quando cessou as funções como deputado, em 1999, mas que havia prescindido disso. Não tinha esse direito, emendou o líder comunista, lembrando que era preciso ter oito anos de exercício de mandato como deputado e 55 anos de idade, o que não era o caso. A insistência do chefe do Executivo em afirmar que teria esse direito obrigou Jerónimo de Sousa, na réplica, a convidá-lo a ler o artigo 27.º, n.º 5 e o artigo 3.º, n.º 2, da Lei 26/95 que faz essa alteração, através do qual se demonstra que Passos Coelho não tinha o direito a requerer aquela subvenção.
Fazer mal ao povo e ao País
O Secretário-geral não confinou a sua intervenção ao processo que envolve os rendimentos do chefe do Governo. Para o centro do debate trouxe o «País real», como ele próprio designou, apontando o dedo à política do Governo e ao seu poder de destruição e empobrecimento, razão mais do que suficiente para justificar a sua demissão.
E considerou que neste início dos trabalhos parlamentares estão a ser confirmadas todas as preocupações do PCP quanto aos serviços púbicos, nomeadamente nas áreas da Saúde, da Educação e da Justiça.
«É já não só o encerramento dos serviços, mas a sua incapacidade para responderem às necessidades das pessoas», frisou o líder comunista, lembrando os cortes impostos pelo Governo, as taxas moderadoras e o facto de as famílias já pagarem hoje custos com a saúde acima da média da União Europeia.
Cenário negro é também o da Justiça, segundo Jerónimo de Sousa, que criticou o Governo por ter insistido em aplicar o mapa judiciário, «o que parou a Justiça, prejudicando os profissionais mas sobretudo os cidadãos que não conseguem exercer os seus direitos». Sumariando os principais problemas neste capítulo, falou dos tribunais que encerraram, dos novos instalados em contentores, dos processo anteriores a 1 de Setembro que estão sem tramitação, dos bloqueios que impedem advogados, magistrados e funcionários de aceder aos processos, quer por via informática quer aos processos em papel «porque ninguém os consegue encontrar nas pilhas de papel que estão depositadas um pouco por toda a parte».
Mais, acrescentou, «há advogados a enviarem documentos por fax para cinco juízos do mesmo tribunal porque não sabem em qual deles está o processo respectivo, há julgamentos de acções executivas feitas sem que o juiz ou os advogados tenham sequer o requerimento executivo porque ninguém consegue ter acesso ao processo».
A merecer duras críticas esteve também a Educação, com o início do ano lectivo a ficar marcado, acusou, «por erros, irregularidades e ilegalidades». Não deixou passar igualmente em claro os milhares de alunos que continuam sem aulas porque faltam professores (incluindo do ensino especial), funcionários, psicólogos e demais técnicos. Lembrou por fim que encerraram mais 311 escolas do 1.º ciclo, havendo inúmeras outras que continuam a funcionar em condições precárias, prejudicando o ensino e os estudantes. «É esta a realidade concreta de muitas escolas do País», sintetizou.
E por isso Jerónimo de Sousa considerou que a exigência de demissão do Governo é «pelo mal que está a fazer aos portugueses e ao País»