O bife e a salsicha
Ainda está viva – dá mesmo vontade de dizer em carne viva, apesar da expressão poder ser interpretada como um trocadilho de mau gosto – a memória da forma insultuosa como Isabel Jonet sentenciou aqui há uns tempos que pobreza não rima com bifes, lançando assim uma espécie de anátema sobre a veleidade de quem, sendo pobre, pretender pôr na mesa não só o propriamente dito – o de vaca –, como todos os sucedâneos de outras espécies, do peru ao frango, para não ir mais longe, com que de há muito o legítimo está constrangido a partilhar o nome, mais para alimentar ilusões do que para satisfazer apetites.
Pois ainda não se apagou essa memória e já a senhora presidente do Banco Alimentar Contra a Fome nacional, que preside igualmente à federação europeia dos bancos afins, se saiu com outra do mesmo calibre. Desta feita foi no encerramento do 29.º Encontro da Pastoral Social, onde Jonet afirmou com todas as letras que em Portugal «há profissionais da pobreza habituados a andar de mão estendida, sem qualquer preocupação em mudar.»
Já cá faltava esta «explicação», tão em voga nos tempos do fascismo, para a pobreza. Os pobres são pobres porque são mandriões, querem comer bife e não querem trabalhar, apesar dos governantes e das jonets se esfalfarem a trabalhar para lhes dar o melhor dos mundos. Que o diga Passos Coelho, particularmente inspirado na cerimónia de abertura do ano lectivo, no Conselho Nacional de Educação, garantindo saber «melhor do que ninguém que aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado educativo». Embora mais plebeu – sempre há as suas diferenças entre salsicha e bife – o primeiro-ministro não deixa de passar a mensagem, igualmente cara nos tempos da outra senhora, do desperdício que é a generalização ao comum dos portugueses de novos graus de ensino. Uns cursos profissionais é quanto basta, que nem todos devem ser doutores.
Jonet e Passos, que em rigor poderiam, eles sim, ser chamados de «profissionais da pobreza», têm em comum muito mais do que o discurso do bife e da salsichas: geram e gerem pobres e só se preocupam em voltar ao passado.