Desvirtuação do sistema público

Ensino Superior não é um luxo

O Governo anunciou mais um corte no financiamento do sistema público de Ensino Superior. Impõem-se entender o seu significado e consequências, assim como qual o sentido da política que vem sendo adoptada.

Assistimos a reduções sucessivas nos financiamentos

LUSA

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A drástica redução do financiamento é somente a última de uma longa série. Desde que foi promulgada uma fórmula de financiamento do Ensino Superior, nenhum governo fez inscrever uma rubrica no Orçamento do Estado para esta área que não fosse inferior ao estipulado na lei. Desde o virar do século assistimos a reduções sucessivas nos financiamentos, congelamento das carreiras docentes, precarização de uma percentagem significativa de professores, sistemática não contratação de novos docentes para substituir os que se vão reformando. A situação resultante é a da degradação evidente das condições de funcionamento das escolas, na maioria à beira da ruptura financeira e há muito sem condições para manter níveis de qualidade que muito custaram alcançar.

Investigação científica

Na área da investigação científica, a situação não é mais fácil. Para além da sua importância intrínseca, é absolutamente claro que não pode haver Ensino Superior de qualidade se dela não for acompanhado. Sem investigação, o Ensino rapidamente se desactualiza e afasta da realidade, não é possível fazer formação ao mais alto nível, os docentes não aprofundam os seus conhecimentos nas matérias leccionadas e, não sendo realmente especialistas, são professores de qualidade menor.
A extinção do financiamento plurianual das unidades de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e a sua substituição por um modelo de financiamento por projecto, a drástica diminuição das condições e montantes de financiamento dos projectos de investigação, a redução do número de bolsas de pós-graduação atribuídas anualmente e a encomendada farsa, em forma de processo de avaliação, das unidades de investigação, mostram que os propósitos governamentais nesta área não são os da promoção da investigação científica nacional.

«Bolonha» em Portugal

Há quinze anos era assinado o acordo de harmonização e comparabilidade dos currículos dos diversos sistemas de Ensino Superior europeus, que ficou conhecido como a «Declaração de Bolonha». Na altura alertou-se, nomeadamente o PCP, que os propósitos do processo que então se iniciava nada tinham com a proclamada intenção de melhor adequar os paradigmas de ensino e de avaliação.
Como consequência da transformação que se seguiu, passou-se a chamar licenciaturas aos bacharelados, mestrados às licenciaturas e a transformar os programas de doutoramento num híbrido entre o antigo doutoramento e o mestrado.
Agora vem o Ministério de Crato introduzir diplomas «relâmpago», com somente dois anos curriculares, para tentar, formalmente, cumprir as metas de formação com que se comprometeu para 2020, sem que tenha, de facto, feito nada, bem antes pelo contrário, para o alargamento dos programas de formação superior.
Confirma-se igualmente a denúncia feita pelo PCP, de que com «Bolonha» aumentariam ainda mais os custos do ensino a quem queira ter uma formação completa.

Acentuam-se os problemas

Os contornos já conhecidos do propalado plano de reestruturação e «racionalização» da rede de Ensino Superior asseguram que não serão os valores da sua necessária extensão de cobertura e melhoramento que estarão presentes. Pelo contrário, parecem ser os propósitos de acentuar a precarização docente, de eliminação da diversidade de currículos e acentuação da centralização com o agravamento das assimetrias regionais, que serão subjacentes a todo o processo.
O sistema público de Ensino Superior, para além de servir para satisfazer os desejos de elevação cultural da população nacional, direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, constitui um elemento fundamental para a elevação do nível tecnológico da nossa indústria, com a consequente elevação do valor dos seus produtos.
Sem o resultado da sua formação e da investigação científica que lhe está intrinsecamente associada, não é possível qualquer projecto nacional que assente nos princípios da soberania e independência nacional.
O descarado ataque ao Ensino Superior que os sucessivos governos, em particular das últimas duas décadas, vêm desferindo, como aliás o ataque em geral às funções sociais do Estado, vem comprovar que são os interesses do grande capital internacional, os interesses dominantes na integração europeia, que estiveram presentes e nunca os interesses de

Privatização avança

O estabelecimento de um sistema de restrições quantitativas globais no acesso ao Ensino Superior Público (numerus clausus), em simultâneo com a liberalização da entrada no ensino privado através do regime de acesso, constituiu o mecanismo criado ao nível do fluxo escolar para fazer avançar a privatização deste grau de ensino.
A enorme pressão que está a ser feita pelo Governo para a redução de despesas de pessoal e para elevação administrativa de rácios (alunos/docente e outros) vai agravar ainda mais, a curto prazo, a qualidade do ensino público.
As universidades e os institutos politécnicos devem constituir centros de criação permanente de conhecimento e lugares de formação integral superior do indivíduo, permitindo encarar o conhecimento como um processo global, permanente, libertador, interdisciplinar, transmitindo-o ao nível do acto da sua produção permanente, com especial ênfase na capacidade de produzir mais conhecimento, e por isso mesmo preparando o indivíduo para se inserir em e participar na direcção de uma dinâmica social de transformação.




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