Solução: resolução, concentração
«A medida de resolução agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adoptadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público, nem para os contribuintes.»
Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, sobre a intervenção no BES, 03/08/2014
«Auxílio estatal: Comissão autoriza um auxílio à resolução a favor do Banco Espírito Santo»
Título do Comunicado de Imprensa da Comissão Europeia, 04/08/2014
Em Março último, Conselho e Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre o chamado Mecanismo Único de Resolução (MUR) de bancos. O acordo encheu páginas de jornais. Já antes havia sido concluída a primeira parte da chamada «União Bancária» (de que o MUR é parte integrante), que transferiu para uma instância supranacional – o Banco Central Europeu – a supervisão de milhares de bancos na Zona Euro, incluindo os principais bancos portugueses, o que se efectivará a partir de 2015. Uma medida saudada pela generalidade dos banqueiros europeus, incluindo os portugueses (Ricardo Salgado foi um deles), sugerindo assim um novo quadro regulatório e de supervisão, digamos, simpático, para os senhores da alta finança.
Com o MUR concluiu-se a segunda parte do edifício da «União Bancária». A ocasião serviu de mote para uma inaudita operação de propaganda. Com o grande capital financeiro e os seus representantes políticos largamente desacreditados por toda a Europa, perante a sucessão de escândalos financeiros que exigiu injecções maciças de recursos públicos na banca privada, havia que restaurar a «confiança» nuns e noutros. Em Portugal, ao buraco negro do BPN seguiu-se a recapitalização com dinheiros públicos do BCP, BPI e BANIF.
A «União Bancária» – entusiasticamente apoiada por PS, PSD e CDS – seria, garantiam, a solução.
«Contribuintes deixam de ser chamados a pagar resgates dos bancos», escreveu-se (Diário Económico, 16/04/2014. Na mesma edição podia ler-se declarações de Elisa Ferreira, deputada do PS no Parlamento Europeu e responsável pelo relatório legislativo do MUR: «Estamos convencidos que os contribuintes nunca mais serão chamados a pagar resgates a bancos»).
Alguém avisou
Por esses dias, afirmava o PCP em nota do Gabinete de Imprensa: «A falsa alegação de que [...] se colocará um ponto final na salvação da banca por parte dos estados é apenas uma forma de branquear o processo de transformação de dívida privada em dívida pública – a constituição do MUR não exclui que tal venha a acontecer de novo –, de que o caso do BPN em Portugal continua a ser um vergonhoso exemplo. Na verdade, trata-se de uma manobra para dissimular o facto de serem sempre os povos e os recursos públicos a assumir os incomportáveis custos e riscos da especulação e gestão danosa do sector financeiro» (21/03/2014).
Poucos meses passados, o colapso do BES vem lançar uma nova luz sobre as diversas afirmações então produzidas.
Governo e Governador do Banco de Portugal, durante várias semanas, declararam solenemente: desta feita, não se recorreria a fundos públicos para a resolução do buraco do BES/GES.
Na noite em que anuncia a decisão de criação do Novo Banco, Carlos Costa reafirma que a solução – em linha com a legislação aprovada pela UE relativa à «União Bancária» – não trará custos para os contribuintes.
Na manhã seguinte, um comunicado da Comissão Europeia anunciava que esta autorizava «as medidas notificadas pelas autoridades portuguesas», ou seja, um «auxílio estatal» de 4,4 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução, que financiará a recapitalização do BES. A mesma Comissão Europeia que anda há vinte meses a averiguar um suposto «auxílio estatal» do Estado Português à empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo, de cerca de 100 milhões de euros, num processo ainda não encerrado e ainda sem conclusões, autorizou numa noite um «auxílio estatal» mais de quarenta vezes superior a um banco privado.
Consequências e significado político
Seria errado ver nesta sucessão de episódios «apenas» mais uma factura pesada para os contribuintes portugueses. O significado político de tudo isto é bem maior. Grandes bancos europeus já deixaram claro que vêem na parte «boa» dos despojos do BES uma interessante oportunidade de negócio, que lhes permitiria crescer a baixo custo. Porque como também oportunamente afirmámos: o Mecanismo Único de Resolução é mais um passo na concretização da gigantesca operação de concentração e centralização do sector bancário na UE a que chamam de «união bancária».