Ataque sem descanso aos salários e pensões

A obsessão do Governo pelos cortes

O Parlamento reapreciou anteontem os diplomas relativos aos cortes salariais até 2018 e à chamada contribuição de sustentabilidade, chumbados pelo Tribunal Constitucional no passado dia 14 de Agosto.

Esta política não resolveu nenhum dos problemas estruturais do País

No final, com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS-PP e os votos contra das oposições, foi aprovada a reposição dos cortes salariais aos trabalhadores da administração pública com vencimento acima dos 1500 euros.

O debate ocorreu depois de a maioria, no início da semana, ter entregue na AR propostas de alteração em que retirou, no que se refere ao decreto sobre os cortes salariais, as referências às reduções para lá de 2015. Retirada foi também a contribuição de sustentabilidade (que o Governo queria aplicar em 2015 às pensões acima de mil euros, com taxas a variar entre 2% e 3,5%), bem como os aumentos do IVA (dos actuais 23% para 23,25%) e da TSU (de 11% para 11,2%).

Este aparente passo atrás no que toca às pensões, a que o Governo não teve como escapar, foi justificado por Luís Montenegro (PSD) pela «jurisprudência constitucional» que, em sua opinião, tem travado a «reforma da Segurança Social». Antes, o secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, Agostinho Branquinho, alegara no mesmo sentido dizendo que a «leitura da Constituição» feita pelo Tribunal Constitucional «põe em causa» esse desiderato do Governo.

Anunciada pelo líder parlamentar do PSD foi, entretanto, a intenção governamental de fazer uma pausa – «não vai insistir nesta Legislatura com a reforma da Segurança Social», disse –, não sem porém deixar a ameaça de que este não é um capítulo encerrado, pois, nas suas palavras, o «problema não está resolvido».

Sem tréguas

Ora para o presidente do Grupo Parlamentar do PCP o que esta mensagem significa é que, enquanto o Governo e a maioria puderem, os «portugueses não terão descanso, haverá a insistência nos cortes salariais e em novas medidas de saque das pensões».

João Oliveira expressou mesmo a convicção de que o Governo e a maioria, a «pretexto da uma suposta desistência do ataque estrutural ao sistema de pensões, não darão o tempo como perdido e encontrarão – provavelmente já através do OE para 2015 – novas formas de ataque aos pensionistas e reformados, mantendo por exemplo a contribuição extraordinária de solidariedade».

E essa é uma das marcas deste Governo que ao fim de três anos deixa como legado um «recorde de inconstitucionalidades», uma «política inconstitucional de empobrecimento de quem trabalha e de favorecimento de quem acumula lucros», de «afundamento do País e de agravamento das desigualdades e das injustiças», de «degradação da democracia», sumariou o líder parlamentar comunista.

Arrogância

O deputado comunista Jorge Machado voltaria à questão, no debate sobre o diploma dos cortes salariais, para assinalar que nenhuma das medidas preconizadas pelo Governo visa garantir a sustentabilidade da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações. «A principal ameaça a estes sistemas de pensões é este Governo de desgraça nacional, é a política de direita», realçou, recordando que a sustentabilidade financeira não passa por «cortes injustos e inconstitucionais», mas sim por «melhorar as receitas destes sistemas de pensão social».

A reter do debate fica ainda o que João Oliveira classificou de «arrogância a teimosia» de um Governo e de uma maioria que insistem no mesmo caminho de ataque aos salários, às pensões, aos direitos sociais, «para continuar a servir os mesmos interesses dos especuladores e agiotas, daqueles que nestes três anos viram aumentar as suas fortunas».

Mas absolutamente certo – e esta foi a garantia deixada por João Oliveira – é que Governo e maioria continuarão a encontrar pela frente a resistência e a luta dos trabalhadores e do povo.

 

Problemas por resolver

Interpretando os argumentos aduzidos pela maioria e pelo Governo como meras «desculpas esfarrapadas» – a tónica foi sempre a «sustentabilidade da Segurança Social» e a «necessidade de equilíbrio das contas públicas» –, João Oliveira não deixou ainda de se questionar sobre a utilidade desta política de cortes de salários e pensões, de cortes nos direitos sociais dos portugueses.

«Esta política resolveu algum dos problemas do País?», foi a pergunta do líder parlamentar do PCP, que a ela respondeu sublinhando que nenhum dos problemas estruturais foi superado, nomeadamente o problema da dívida pública, nem o da dependência externa, nem o do desemprego (disfarçado nas estatísticas com a emigração e com os 400 mil desempregados empurrados para a formação e para os estágios), nem ainda o problema orçamental.

«Esta política não resolveu nenhum dos problemas nacionais mas serviu os interesses dos grupos económicos, dos especuladores e dos agiotas que nestes três anos aumentaram lucros e fortunas à custa de privilégios e benefícios concedidos pelo Governo e pela maioria PSD/CDS», acusou João Oliveira.

 

Caixa de carimbos

Este plenário extraordinário, marcado há cerca de duas semanas, não passou aliás sem a forte crítica da bancada comunista, para quem a única justificação para a sua realização é a «obsessão quase doentia do Governo e da maioria em aplicar, o mais rapidamente possível, cortes salariais».

Disse-o na reunião da comissão permanente do dia 21 de Agosto o deputado António Filipe, lembrando que «ninguém ignorava» que o Tribunal Constitucional iria pronunciar-se em Agosto. Ou seja, quando os plenários foram marcados para o reinício da sessão legislativa a 17 de Setembro, sabia-se já, por conseguinte, que haveria essa decisão para aquela data e que a «probabilidade de haver novas normas inconstitucionais era muito elevada».

Entendendo a «estabilidade da ordem de trabalhos» da AR e seu funcionamento como «um valor», António Filipe insistiu por isso na acusação de que só a vontade cega em aplicar cortes salariais, instrumentalizando para o efeito a AR, explica esta marcação de plenários extraordinários.

«Essa é a razão procedimental», enfatizou, defendendo que dessa forma o «Governo quer deixar claro que a AR não é mais do que uma caixa de carimbos para aquilo que quer (e quando) impor».

 

 

 

 

 

 

 



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