Reprivatização impugnada
A Câmara do Seixal apresentou a 8 de Julho de 2014, no Supremo Tribunal Administrativo, uma providência cautelar contra uma decisão do Conselho de Ministros, por discordar da recente alteração dos Estatutos da Sociedade AMARSUL – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA, realizada através da publicação do Decreto-lei (DL) n.º 104/2014, de 2 de Julho.
O processo judicial para suspender os efeitos das alterações daquela sociedade foi entretanto aceite, e, até à decisão final deste processo cautelar, mantêm-se em vigor os Estatutos da AMARSUL aprovados pelo DL n.º 53/97, os quais garantem e exigem a maioria do capital público nesta sociedade.
Os municípios do Seixal, Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Sesimbra e Setúbal são accionistas da AMARSUL, detendo, conjuntamente, 49 por cento do capital da sociedade, pertencendo os restantes 51 por cento à Empresa Geral do Fomento, SA (EGF), detida indirectamente pelo Estado, através do Grupo Águas de Portugal.
A alteração dos Estatutos da AMARSUL visou legitimar o processo de «reprivatização» da EGF, aprovado pelo DL n.º 45/2014, de 20 de Março, que determinou a alienação da totalidade das acções da EGF, uma vez que a versão original dos Estatutos da AMARSUL impede a alienação da maioria do capital social da sociedade a favor de entidades privadas.
Este é o verdadeiro fundamento da aprovação do DL n.º 104/2014, de 2 de Julho, por intermédio do qual o Governo se propôs, unilateralmente, acabar com a proibição de entidades privadas deterem a titularidade da maioria do capital da AMARSUL, eximindo-se de submeter a alteração dos Estatutos da AMARSUL a deliberação da assembleia geral da sociedade.
Recorde-se que a AMARSUL foi criada em Março de 1997, e que a gestão do Sistema Multimunicipal de Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos da Margem Sul do Tejo lhe foi adjudicada, exclusivamente, em regime de concessão, por um período de 25 anos, contados da data de assinatura do contrato de concessão, ocorrida em 16 de Maio de 1997, o que significa que o fim da concessão seria em 16 de Maio de 2022. Acontece que, no referido DL n.º 104/2014, de 2 de Julho, este prazo é alargado para 31 de Dezembro de 2034, procurando, assim, o Governo amarrar os municípios accionistas da AMARSUL a este novo prazo.
Governo com os privados
Ao pretender vender a EGF, detentora de 51 por cento do capital social da AMARSUL, a um grupo privado, o Governo pretendeu alterar as condições e os pressupostos que estiveram na origem da adesão ao sistema pelos municípios accionistas da sociedade, em clara violação da confiança contratual, não considerando sequer a possibilidade daqueles poderem adquirir os dois por cento necessários para que pudessem passar a ser os detentores da maioria do capital social.
Desta forma, ficaria aberta a possibilidade de privados passarem a gerir o sistema multimunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Margem Sul do Tejo, situação com a qual as populações, os trabalhadores e os municípios accionistas, não concordam, sendo estes os principais prejudicados, pois a recolha e tratamento de resíduos urbanos é originariamente uma atribuição dos municípios, competindo-lhes assegurar o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos no domínio dos sistemas municipais de resíduos sólidos urbanos, com vista a uma prestação de um serviço público essencial e de qualidade.
As evidências apontam para que a privatização signifique o aumento do preço cobrado e a diminuição da qualidade do serviço prestado, tal como acontece com muitos outros processos de privatização. Os municípios perderão as competências de intervenção e decisão num sector que lhes diz directamente respeito e de que são parte integrante, e as populações perderão capacidade de controlo democrático, uma vez que os seus eleitos no Poder Local não terão poder de decisão junto das empresas privadas. A lógica privada sobrepor-se-á ao objectivo de redução da produção de resíduos, objectivo que deveria ser primordial na política ambiental.