Que se lixem

Anabela Fino

Um ano depois da «demissão irrevogável» de Paulo Portas que custou ao País três mil milhões de euros – pagos com juros de acrescida miséria pelos trabalhadores portugueses no activo e na reforma – e que alcandorou o líder centrista ao lugar de vice-primeiro-ministro, numa cabal demonstração de que a «consciência» que ditava a demissão – «com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer», disse Portas a 2 de Julho do ano passado – afinal se vendia por mais um naco de poder, um ano depois de tudo isto, dizia, na Assembleia da República voltou a debater-se o estado da nação sob o espectro de mais uma crise no seio da maioria.

Mesmo sem ter acompanhado o debate, iniciado quando esta edição já estava na máquina, pode apostar-se com pouca ou nenhuma margem de erro que Passos Coelho ignorou a data e as irreparáveis perdas a ela associadas, dedicando-se mais uma vez ao seu exercício preferido: demonstrar, contra todas as evidências, que o País está melhor. O mote foi de resto dado anteontem com os entusiásticos comentários do Governo à baixa do desemprego, em leitura linear dos dados do Eurostat. Fazendo de conta que a redução da população activa, o aumento da emigração e o «desaparecimento» das estatísticas dos que já deixaram de procurar emprego – só para citar alguns factores – nada têm a ver com o assunto, Passos Coelho congratulou-se com a malga vazia da miséria do mercado de trabalho e acenou com a miragem da recuperação económica que até os seus mais indefectíveis apoiantes reconhecem ser raquítica (a economia cresceu 1,3 por cento no primeiro trimestre do ano, em termos homólogos, mas teve um recuo de 0,6 por cento face aos últimos três meses do ano passado). O aumento da dívida pública de 94 para 132 por cento do PIB no primeiro trimestre deste ano, o aumento brutal da taxa de pobreza, a sangria permanente da emigração, a degradação das condições de vida a todos os níveis são contas que não cabem no rosário de Passos Coelho. A sua preocupação é mesmo o CDS, de olho no calendário eleitoral e apostado em garantir que um eventual acordo PDS/PS não o deixa de fora. Quanto ao resto, como diria Passos, que se lixem os portugueses.

 



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