Exige-se uma atitude firme de luta em defesa da Escola Pública

Desconfigurar para privatizar

Jorge Pires (Membro da Comissão Política do PCP)

Os úl­timos três anos, na linha do que vinha sendo re­a­li­zado por su­ces­sivos go­vernos, mar­caram uma nova e mais agres­siva etapa na afronta à Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa e à Lei de Bases do Sis­tema Edu­ca­tivo, na­quele que é um ajuste de contas da di­reita mais re­van­chista, com uma das prin­ci­pais con­quistas de Abril: o di­reito à edu­cação e ao acesso ao co­nhe­ci­mento, in­de­pen­den­te­mente das con­di­ções eco­nó­micas e so­ciais de cada um.

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Esta é uma re­a­li­dade in­dis­so­ciável das po­lí­ticas ne­o­li­be­rais que pre­tendem des­res­pon­sa­bi­lizar o Es­tado pela ga­rantia de di­reitos fun­da­men­tais e uni­ver­sais que se tra­duzem na cres­cente mer­can­ti­li­zação da edu­cação, com ex­pressão con­creta no também cres­cente des­res­peito pelo pre­ceito cons­ti­tu­ci­onal que obriga o Es­tado a de­mo­cra­tizar a edu­cação e a ga­rantir a pro­gres­siva gra­tui­ti­dade do en­sino pú­blico. As po­lí­ticas ne­o­li­be­rais de­sen­vol­vidas por su­ces­sivos go­vernos, mas de forma mais evi­dente pelo ac­tual, têm con­tri­buído, ainda, para au­mentar a se­lec­ti­vi­dade e eli­tizar, ainda mais, o en­sino e o pleno acesso à edu­cação, par­ti­cu­lar­mente nos ní­veis Se­cun­dário e Su­pe­rior, para além de se ori­en­tarem para o au­mento dos pri­vi­lé­gios e das be­nesses con­ce­didas ao en­sino pri­vado.

Ao mesmo tempo que mal­tratam a es­cola pú­blica, os úl­timos go­vernos do País têm vindo a au­mentar os pri­vi­lé­gios e os sub­sí­dios que con­cedem aos co­lé­gios pri­vados, che­gando ao ponto de des­res­pei­tarem o quadro legal vi­gente.

Po­lí­tica edu­ca­tiva que é res­pon­sável por manter, apesar do fo­gue­tório que de vez em quando se ouve lá para os lados da 5 de Ou­tubro – quando aqui ou acolá se co­nhece uma pe­quena su­bida nas mé­dias dos exames, si­tu­ação que, por norma, é ma­ni­pu­lada pelo MEC através do grau de di­fi­cul­dade dos enun­ci­ados –, o País nos ní­veis mais baixos dos ín­dices es­co­lares entre os países da OCDE. Con­ti­nu­amos a ter uma taxa de aban­dono pre­coce acima dos 27 por cento, 3500 mil por­tu­gueses com mais de 15 anos não têm qual­quer di­ploma ou apenas con­cluíram o En­sino Bá­sico e um mi­lhão e meio de por­tu­gueses, entre os 25 e os 44 anos, não con­cluíram o En­sino Se­cun­dário.

A po­lí­tica de di­reita e os seus re­sul­tados con­fi­guram um re­gresso ao pas­sado.

Eli­ti­zação do en­sino

É neste con­texto de final do ano lec­tivo, um ano que, mais tarde, será re­cor­dado como um dos pi­ores para o sis­tema edu­ca­tivo em de­mo­cracia, que im­porta, desde já, pers­pec­tivar o ano lec­tivo 2014/​2015 a partir das de­ci­sões que o Go­verno PSD/​CDS-PP tem vindo a tomar nos úl­timos meses, cuja na­tu­reza e gra­vi­dade apontam para con­sequên­cias gra­vís­simas que se aba­terão sobre toda a co­mu­ni­dade edu­ca­tiva, para a qua­li­dade do en­sino e em úl­tima aná­lise para o País.

A não ser tra­vado nas suas in­ten­ções, o Go­verno dará um passo de gi­gante di­rec­ci­o­nado ao ob­jec­tivo, há muito por si de­fi­nido, de des­con­fi­gu­ração de todo o sis­tema edu­ca­tivo, abrindo es­paço para avançar com o pro­cesso de pri­va­ti­zação da es­cola pú­blica e de eli­ti­zação do acesso ao co­nhe­ci­mento.

A in­tenção de en­cerrar de mais de 300 es­colas do 1.º ciclo do En­sino Bá­sico no final do ano lec­tivo à re­velia das re­a­li­dades con­cretas dos ter­ri­tó­rios e sem atender a ob­jec­tivos fun­da­men­tais de de­sen­vol­vi­mento so­cial e eco­nó­mico do País e das re­giões, numa clara subs­ti­tuição dos in­te­resses pe­da­gó­gicos por op­ções eco­no­mi­cistas; a im­po­sição de uma Ta­bela Re­mu­ne­ra­tória Única, prin­cípio do fim dos Es­ta­tutos da Car­reira Do­cente, cujo ob­jec­tivo é im­pedir no fu­turo a pro­gressão na car­reira a mi­lhares de pro­fes­sores, prin­ci­pal­mente os mais novos; a trans­fe­rência para o sector pri­vado das res­postas edu­ca­tivas que hoje são pú­blicas e o apro­fun­da­mento do pro­cesso de mu­ni­ci­pa­li­zação trans­fe­rindo al­gumas com­pe­tên­cias do Es­tado para os mu­ni­cí­pios, in­cluindo, entre ou­tros as­pectos, a gestão dos pró­prios pro­fes­sores; uma re­es­tru­tu­ração de cursos nas ins­ti­tui­ções de En­sino Su­pe­rior que não se li­berta da ma­triz de Bo­lonha e a pro­moção de cursos ditos su­pe­ri­ores que não con­ferem grau aca­dé­mico; a re­dução de apoios pres­tados às cri­anças e jo­vens com ne­ces­si­dades edu­ca­tivas es­pe­ciais, são al­gumas das de­ci­sões to­madas pelo Go­verno PSD/​CDS-PP que, a não serem tra­vadas, cons­ti­tuirão um rude golpe na ma­triz de­mo­crá­tica da Es­cola Pú­blica.

Aos por­tu­gueses e, em es­pe­cial a todos os tra­ba­lha­dores da edu­cação, aos es­tu­dantes e aos au­tarcas, exige-se uma ati­tude firme de luta em de­fesa da Es­cola Pú­blica, a única capaz de res­ponder às ne­ces­si­dades e so­li­ci­ta­ções de todos e de pro­por­ci­onar con­di­ções de igual­dade no acesso e no su­cesso es­colar e edu­ca­tivo a todas as cri­anças e jo­vens.

Tal como acon­tece nos ou­tros sec­tores da vida do País, também na edu­cação a rup­tura com a po­lí­tica de di­reita e a exi­gência de que o Pre­si­dente da Re­pú­blica dis­solva a As­sem­bleia da Re­pú­blica, de­mita o Go­verno e marque elei­ções le­gis­la­tivas an­te­ci­padas é con­dição ne­ces­sária para a cons­trução da po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que in­cor­pora, como uma das op­ções cen­trais, uma po­lí­tica de de­fesa e re­cu­pe­ração dos ser­viços pú­blicos, em par­ti­cular no que con­cerne às fun­ções so­ciais do Es­tado, onde a Edu­cação é parte in­te­grante do nú­cleo es­sen­cial.

 



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