A hecatombe
À hora a que escrevo – terça-feira – os comentadores tropeçam no que disseram e estatelam-se no que auguram para o momento a seguir. A desorientação é geral e as opiniões pundonorosas transfiguram-se em palpites despudorados, sem que os opinadores acusem uma brisa de vacilação na pose austera com que certificam as suas elocubrações.
Tudo porque as eleições europeias do passado domingo desmantelaram a estrutura de enganos que os partidos do «arco da governação» – PS, PSD e CDS – têm meticulosamente cerzido nos últimos três anos.
A hecatombe que desabou sobre a coligação de direita e a vitória de Pirro do PS de Seguro (Mário Soares dixit) exibem cruamente, nos desastres dos respectivos resultados, tanto o repúdio, o descrédito e a falta de base social de apoio em que se encontra a coligação de direita no poder, sofrendo uma derrota humilhante e sem precedentes neste escrutínio (desceu aos 27%), como o desprestígio e o descrédito dos 31% do PS de Seguro quanto a ter algum papel numa alternativa ao desastre em curso. E essa alternativa apenas se imporá com a recusa frontal do Governo português em seguir os ditames da troika e insistir no programa de destruição do País democrático construído com a Revolução de Abril.
Como apontou claramente a vitória e a subida da votação da CDU, que tiveram de ser admitidas por todos, embora o contragosto não lhes consentisse, à massa comentatória, reconhecer o motor dessa vitória: a campanha de honestidade e de questionamento directo desta política de desastre, incluindo a exigência de se discutir a presença de Portugal no euro.
Comentam mais a gosto a euforia do «voto independente» na figura populista de Marinho Pinto, que se apresentou sem uma ideia e só provou (após um bando de «candidatos televisivos» vitoriosos, como Santana Lopes ou Sócrates, Moita Flores ou o próprio Marinho) que a exposição televisiva é um poderoso elixir eleitoral, desde que acompanhada por verborreia a contento.
O desnorte foi visível em António José Seguro pois, logo na segunda-feira a seguir à vitória (que proclamara mais de uma dezena de vezes), providenciou uma reportagem televisiva que lhe sedimentasse a tranquilidade do líder, mostrando-o a sair de casa como um cidadão que inicia mais um dia de trabalho, para no dia seguinte desaparecer sem deixar rasto, após António Costa o desafiar para a disputa da liderança.
As televisões já esfregam as mãos com a «guerra aberta no PS», que lhes promete encher as primeiras páginas nos próximos tempos, enquanto o famoso «contar de espingardas» ainda é uma procissão a chegar ao adro, no volátil campo destes combates nos partidos da burguesia.
É lá com eles e, como disse Jerónimo de Sousa, o problema do PCP com o PS nunca foi das caras que o chefiam, mas das políticas que praticam quando estão no poder. Não confundam – e não esqueçam.