Massacre na mina
A explosão ocorrida no dia 13 numa mina de carvão em Soma, na Turquia, que fez mais de 300 mortos, não foi um acidente, foi um massacre, dizem os sindicatos, acusando o governo pela falta de segurança.
Custos da mineração reduzidos de 140 para cerca de 30 dólares por mil toneladas
LUSA
O mais grave acidente industrial registado na Turquia – uma explosão seguida de incêndio que deixou encurralados 787 trabalhadores – ocorreu menos de um mês depois de o AKP, o partido do primeiro-ministro Erdogan ter rejeitado a realização de um inquérito urgente às condições de segurança nas minas. Uma posição que seria incompreensível num país em que os acidentes nas minas se sucedem, não fora o facto de a Turquia se recusar a subscrever as normas de segurança da Organização Internacional do Trabalho e serem do domínio público as conivências de Erdogan e do seu partido com os interesses dos grupos económicos, incluindo a Soma Holdings, que detém a exploração da mina de carvão onde ocorreu a tragédia.
O drama que ceifou centenas de vidas – agravado pelas palavras de Erdogan que numa visita a Soma tentou alijar responsabilidades dizendo que acidentes deste tipo fazem parte da profissão e chegou ao cúmulo de, perante as famílias em desespero, enlencar uma lista de catástrofes mineiras a nível mundial – desencadeou uma vaga de greves e manifestações contra o governo em várias cidades turcas. A resposta do executivo foi uma brutal repressão policial com gases lacrimogéneos e canhões de água.
Para incendiar ainda mais os ânimos, um conselheiro do primeiro-ministro, Yusuf Yerkel, decidiu ajudar a polícia agredindo ao pontapé um manifestante caído no chão e manietado por dois soldados. A cena decorreu em Soma durante a visita de Erdogan e as imagens correram o mundo.
Apelo à solidariedadeRecusando-se a baixar os braços, a Confederação dos Sindicatos Progressista da Turquia, a Confederação dos Sindicatos dos Funcionários Públicos, a Associação Médica Turca e as Câmaras de Engenheiros e Arquitectos da Turquia convocaram «toda a classe trabalhadora, operários e amigos dos trabalhadores para apoiarem os nossos irmãos trabalhadores em Soma» e incentivaram os turcos a vestir-se de preto e colocar fitas negras nas roupas e panos negros nas casas. As organizações sindicais apelaram igualmente à solidariedade dos trabalhadores europeus.
«Os culpados pelo massacre de Soma são os mesmos que conceberam esta política de privatizações que põe em risco a vida dos trabalhadores para reduzir custos e alcançar lucros. A responsabilidade é deles», afirmam. Os factos comprovam a acusação: segundo o jornal Zaman, citado pelo Público, o administrador de Soma gabou-se, numa entrevista recente, de ter reduzido os custos da mineração de 140 dólares por mil toneladas para cerca de 30 dólares. Os mortos, evidentemente, não são contabilizados.
Não obstante a gravidade do sucedido em Soma, as autoridades responsáveis pelas situações de desastres e emergências rejeitaram a ajuda disponibilizada por vários países e organismos internacionais, considerando-a «desnecessária», informou o diario Hurriyet, citado pela Prensa Latina.
A pensar nas eleições
Entretanto, no domingo, 18, após ter terminado na véspera a recuperação dos corpos dos últimos dos 301 mineiros mortos na mina, registou-se uma reviravolta na abordagem oficial ao ocorrido em Soma: dezenas de procuradores foram destacados para investigar o fogo e a explosão registados na mina e a polícia deteve cerca de duas dezenas de pessoas suspeitas de negligência. Apesar de a operadora mineira Soma Komur continuar a negar qualquer comportamento negligente, um relatório preliminar a que o jornal Milliyet teve acesso, citado pela Lusa, aponta para várias violações às regras de segurança na mina, incluindo um número insuficiente de detectores de monóxido de carbono e tectos feitos em madeira em vez de metal.
A mudança de atitude do governo, que depois de sacudir água do capote parece agora apostado em encontrar responsáveis, não será estranha ao facto de Erdogan, que dirige a Turquia desde 2003, se preparar para anunciar nas próximas semanas a sua candidatura às presidenciais de 10 e 24 de Agosto.