As lições do Occupy Wall St. (conclusão)

António Santos
O Occupy foi refém desta tradição idealista: a aritmética 99% e 1%, embora verdadeira, apenas articula a distribuição da riqueza e não questiona a propriedade dos meios de produção. Grita «os banqueiros são desonestos», «acabemos com a corrupção na política» e outros postulados éticos sem conseguir identificar classes nem discutir o poder. A própria táctica prefigurativa do Occupy, os acampamentos, demonstra esta tendência: os espaços ocupados eram casulos de liberdade compartimentados e concêntricos, escolas hermeneutas que parasitavam o capitalismo sem o pretender destruir. Afinal, se a liberdade pode preceder a libertação, o acampamento dispensa a revolução.

Assim, muitas ocupações influenciadas mortalmente pelo anarquismo situacionista pretenderam ser anti-poder em vez de poder; descentralização em vez de organização e oposição em vez de alternativa. Com medo da verticalidade e da burocracia, desenvolveram liturgias extravagantes e fraseologias excêntricas que alienaram a classe operária. Como os bispos de Constantinopla, que cercados pelos turcos discutiam o sexo dos anjos, o Occupy, cercado pela polícia, queimou as energias transformadoras do proletariado na subjectividade do formalismo kantiano, impondo abstração política à realidade social. Como uma criança surpreendida com as suas próprias forças, procuraram radicalizar-se e cresceram descontroladamente num estiolamento que fetichizava a sua própria fragilidade perante o aparelho de repressão do Estado. Já no seu leito de morte, procuraram proletarizar-se com programas como o «Occupy the Hood», nos bairros negros e o «Ocupemos el Barrio», nos bairros latinos. Por fim, já em 2012, receberam a absolvição e a extrema-unção numa vertigem serôdia de aproximação aos sindicatos.

O dia das surpresas

Lenine dizia que há décadas em que nada acontece e semanas em que décadas acontecem. O movimento Occupy veio provar a incapacidade do capitalismo aniquilar a luta de classes impedindo a erupção, mesmo espontânea, do protesto. O idealismo chilro que ditou a sua morte é o corolário ideológico de uma correlação de forças imensamente desfavorável, mas encerra o gérmen transformador que o utopismo socialista tinha no princípio do séc. XIX. Ainda assim, o Occupy soprou inspiração e criatividade na atmosfera democraticamente rarefeita da sociedade estado-unidense e foi capaz de inserir indelevelmente a desigualdade e a luta de classes nesse sáfaro léxico político, o que explica que Obama venha agora prometer o aumento (insignificante e torpe) do salário mínimo federal.

Quando os monarcas morriam, o seu séquito gritava «O rei morreu! Viva o rei!». Também a luta de classes não se extingue numa organização. As vitórias e as desilusões do Occupy não se perderam. Pelo contrário, contribuíram para reforçar o movimento comunista. A eleição de Kshama Sawant, activista do Occupy e dirigente da Alternativa Socialista, para o Conselho de Seattle lançou um terremoto político: é a primeira comunista eleita nos EUA em mais de 50 anos e, no passado 1.º de Maio, foi a responsável pela elevação do salário mínimo daquela cidade para 15 dólares / hora, o mais alto de sempre na História dos EUA.

O movimento Occupy desempenhou um papel fulcral no desenvolvimento da luta de classes e corroborou as potencialidades revolucionárias dessa mesma luta, até nos contextos mais adversos e inesperados. Porque, como escreveu Saramago, «quando nos julgarem bem seguros, cercados de bastões e fortalezas, hão-de cair em estrondo os altos muros e chegará o dia das surpresas».




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