Nigéria

Albano Nunes

O continente africano é hoje palco de agudas disputas

Haverá alguém que se não perturbe perante as terríveis notícias que chegam da Nigéria? Haverá quem se não indigne e não clame justiça em defesa das adolescentes raptadas numa operação de terror que visaria castigá-las, traficá-las, transformá-las mesmo em escravas sexuais? Não, não haverá. E o imperialismo também sabe que não há. E é por isso que transforma o drama das jovens nigerianas numa impressionante campanha mediática em que participam actores que vão de Michelle Obama a António José Seguro, passando por inúmeras «celebridades» mobilizadas pela Amnistia Internacional e outras ONG nada imparciais, sempre disponíveis para tomar a dianteira de artificiais vagas de sobressalto internacional. Sobressaltos que como a experiência comprova são frequentemente suscitados não para a sincera defesa de nobres direitos e valores, mas para justificar a ingerência e a agressão imperialista, como no caso das guerras desencadeadas em nome do «dever de proteger» no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Mali, para dar apenas alguns exemplos. Tudo indica que é isso que uma vez mais está a acontecer com a campanha «Bring our girls back».

Impressiona a rapidez com que dirigentes das principais potências capitalistas deram a conhecer a sua «consternação» e se disponibilizaram para enviar especialistas, incluindo militares, para encontrar as adolescentes desaparecidas e castigar os raptores. Mas de todos o que mais se destacou foi Barack Obama que não perdeu a oportunidade para tentar reforçar a presença militar dos EUA num país que, ao contrário do vizinho Níger, se tem negado a servir de base para os seus «drones» assassinos, e assim dar novo passo na sua escalada de ingerência no continente africano. A Nigéria com os seus 170 milhões de habitantes é o mais populoso e economicamente mais poderoso país africano. Com uma localização geoestratégica favorável e muito rica em petróleo e noutros produtos naturais a Nigéria é particularmente apetecida pelas transnacionais e pelo imperialismo que sempre jogou com os seus complexos problemas étnicos e religiosos para a dominar e dominar as suas riquezas. Foi o que aconteceu com a trágica guerra do Biafra (1967/70), desencadeada pouco após a sua independência do domínio britânico, visando a imposição de soluções neocoloniais. É o que acontece hoje explorando a actuação de obscuros grupos armados como aquele que raptou as jovens nigerianas, num quadro confuso de interesses e contradições em que não é fácil discernir o elemento de classe, e em que a desestabilização – que o imperialismo está a generalizar a todo o continente – é um dos traços mais nítidos.

Tendo como pano de fundo a crise capitalista, o continente africano é hoje palco de agudas disputas entre as grandes potências e o imperialismo norte-americano, de modo cada vez mais aberto e insolente, está na primeira linha da ofensiva recolonizadora, como se vê com a criação do Africom e desenvolvimentos recentes orientados para reforçar a sua operacionalidade agressiva que aliás, segundo notícias não desmentidas pelo governo, passam por projectos que envolvem a base das Lages e mesmo a base de Beja.

É por tudo isto que, condenando como sempre actos de terror e de violação de direitos onde quer que se verifiquem, se alerta para a instrumentalização abusiva da tragédia das jovens nigerianas para dar cobertura à política de ingerência e agressão imperialista, e se rejeita frontalmente qualquer envolvimento de Portugal na ofensiva recolonizadora do imperialismo em África, como em qualquer outra parte do mundo.




Mais artigos de: Opinião

Os bois e os nomes

Se é certo que as palavras são instrumentos essenciais para a comunicação entre os homens e para a compreensão do Mundo que nos rodeia, não o é menos que elas podem servir para condicionar, manipular e distorcer essa mesma compreensão. A manipulação,...

Novos nomes, velho roubo

Numa sociedade socialmente estratificada, o léxico é uma das armas usadas na luta de classes. Por exemplo, a ideologia dominante retirou do seu léxico as palavras «trabalhador», «operário», «empregado» e substituiu-as pela palavra «colaborador«....

As bruxas!

Havia um ditado a que minha mãe sempre se referia quando achava estranhas certas coincidências. Dizia ela que não acreditava em bruxas, mas que as há... Lembrei-me desta referência ao ler, este fim-de-semana, as entrevistas cruzadas de Pedro Silva Pereira, representante do PS de...

Limpar Matas

Pôr os desempregados a limpar matas é uma das frases recorrentes de uma certa mitologia reaccionária em Portugal. Já todos a ouvimos, até às vezes vindo de gente boa, bem intencionada, mas que cai nas armadilhas do pensamento dominante. Pois agora o Governo, apoiando-se ainda...

A quem serve o discurso antipartidos?

Tema dominante do «comentário político», ponto de referência da linha editorial dos principais órgãos de comunicação social, motivo principal de algumas das candidaturas que se apresentam aos mais diferentes actos eleitorais, o discurso antipartidos alastra, qual mancha de óleo, na exacta medida em que cresce também a degradação das condições de vida, em que aumenta a exploração, o desemprego, a miséria, a corrupção e a impunidade, em que se aprofunda o processo de reconstituição monopolista e se corrói o regime democrático.