Novos nomes, velho roubo

Manuel Rodrigues

Numa sociedade socialmente estratificada, o léxico é uma das armas usadas na luta de classes. Por exemplo, a ideologia dominante retirou do seu léxico as palavras «trabalhador», «operário», «empregado» e substituiu-as pela palavra «colaborador«. Procura, deste modo, inculcar a ideia de uma vantajosa colaboração interclassista convergente para um alegado bem comum, em alternativa à «velha» relação explorador-explorado. Se diferenças sociais há (e lá que as há, há), nada têm a ver com a exploração, mas apenas com o facto de uns serem mais audazes e empreendedores do que outros, terem superiores capacidades inatas, mais méritos e até, quiçá, mais sorte.

Vem isto a propósito dos malabarismos do Governo acerca da tão propagandeada «saída limpa». Rouba-se nos salários e nas pensões, empurra-se para a emigração centenas de milhares de portugueses, deixa-se na pobreza quase três milhões de pessoas, alarga-se o desemprego a um milhão e meio de trabalhadores, eleva-se a dívida pública para 129% do PIB, destrói-se o aparelho produtivo e encerra-se numerosos serviços públicos e àquilo que em boa verdade se deveria chamar pilhagem, num golpe de magia lexical passa a chamar-se «saída limpa». E, pronto, com Portugal no bom caminho, o grande capital respira de alívio e avança com novo roubo a que, desta vez, chama DEO. E, desta forma, assegura a continuidade da pilhagem e, se as coisas correrem mal, no plano eleitoral, aos partidos de serviço no «arco da governação» (PSD/CDS), tem a outra grande vantagem de abrir o caminho e até dar um velado empurrãozinho ao partido da alternância – o PS – para que nada saia dos carris do capital (ou seja, do «arco da governação») e, sob novos nomes, a velha exploração possa prosseguir.

Neste jogo uma só coisa lhes tira o sono e tudo fazem para impedir que aconteça: que o povo descubra que é possível uma política patriótica e de esquerda e vote na CDU. E, até 25 de Maio, tremerão de medo só de pensar que a palavra «possível» faz parte do léxico dos que lutam contra o roubo, por tal alternativa.

 



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