O triângulo
No Expresso da Meia-noite da semana passada o economista Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE, após desmantelar a argumentação a pataco com que o Governo pretende alquimiar os novos cortes e impostos em «retoma e relançamento», calou Ricardo Costa – que o interpelava «se algum Governo “sozinho” podia fazer outra coisa» – com a seguinte intervenção.
«Há em Economia o “Triângulo das Impossibilidades”», que actualmente se pode aplicar à situação portuguesa, e onde os três vectores são o «tratado orçamental», o «pagamento aos credores» e a «manutenção do Estado Social de nível europeu». Após recordar que, segundo tal princípio, um Executivo apenas poderá aplicar dois dos vectores dessa triangulação económica, esclareceu: «Qualquer Governo que opte por não deixar cair o tratado orçamental nem reestruturar a dívida» (como insiste a obstinação de Passos/Portas), «tem de explicar aos seus cidadãos com que legitimidade democrática é que destrói um Estado Social de nível europeu, para criar em Portugal um Estado do Terceiro Mundo».
Como se vê pelo Documento de Estratégia Orçamental (DEO) há dias apresentado pelo Governo Passsos/Portas, os cortes brutais «previstos», já para o ano, em Educação e Saúde atingem muito mais de 100 milhões de euros cada, o que confirma o propósito do Executivo de direita não apenas em tornar Portugal um País de Terceiro Mundo, como o pretende fazer a mata-cavalos.
Este Governo, cozinhado entre duas minorias ávidas de protagonismo e irmanadas no objectivo de destruir as funções sociais do Estado construídas com a Revolução de Abril, não tem mandato, nem representação política e social e, portanto, não detém legitimidade para tal violência, mesmo escudando-se numa maioria parlamentar que há muito foi transformada num instrumento de poder absoluto e absolutamente antidemocrático.
O papel do Presidente da República é crucial nesta situação e o actual inquilino de Belém, Cavaco Silva, arrisca-se a transformar definitivamente o cargo presidencial numa degenerescência que não respeita nem faz respeitar a Constituição da República, nem funciona como garante das instituições e do regime democráticos, constituindo-se em parte interessada e actuante na política em curso.
No discurso do passado domingo sobre a «saída limpa», o primeiro-ministro Passos Coelho confirmou a sua inesgotável capacidade de mentir, culminando as duas últimas semanas de um embuste delirante, com três principais figuras do Executivo (Passos, Maria Luís e Marques Guedes) a garantirem taxativamente que não iria haver mais impostos e cortes nas pensões para, quinze dias depois, afinal se tornarem efectivos.
Perdido o crédito em qualquer coisa que diga ou faça, o Governo PSD/CDS prossegue a farsa da «governação» com a impúdica prosápia de sempre.
Já falta menos de um mês para o que nunca lhes aconteceu.