Fuga vitoriosa rumo a Abril
A evocação da fuga da cadeia do Forte de Peniche de 3 de Janeiro de 1960 marcará o encerramento das comemorações do centenário de Álvaro Cunhal e constituir-se-á no elo de ligação entre este centenário (acontecimento marcante da vida do Partido com grande projecção na sociedade portuguesa) e as comemorações do 40.º aniversário da Revolução de Abril, que se vão assinalar em 2014.
Jerónimo de Sousa participa no comício de dia 4
É já esta semana, dias 3 e 4 (sexta-feira e sábado) que, junto ao Forte de Peniche, se vai evocar este grande acontecimento político. No dia 3, pelas 16 horas será inaugurada a exposição «Forte de Peniche, local de repressão, resistência e luta», que ficará patente no Salão Nobre do Forte, e, às 18h30, junto às muralhas, tem lugar uma recriação histórica da fuga. No dia 4, às 15h00, tem lugar o comício com a participação de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, que será precedido de um momento cultural com a participação de Paulo de Carvalho e do grupo musical «Quadrilha».
As mais de 20 fugas realizadas a partir do interior das cadeias fascistas exigiram imaginação, planeamento, organização, audácia e coragem. Fugir das prisões fascistas tornou-se tarefa cada vez mais difícil e arrojada à medida que o aparelho repressivo se aperfeiçoava e se introduziram alterações estruturais nas cadeias, conduzindo a um maior isolamento dos presos e a uma vigilância constante sobre os mesmos.
No conjunto das evasões realizadas a partir do Forte de Peniche, bem como as realizadas de outras cadeias, a fuga de Álvaro Cunhal e de mais nove dirigentes e quadros comunistas, a 3 de Janeiro de 1960, pela sua organização, complexidade dos problemas que foi necessário resolver para o seu sucesso e as repercussões políticas que teve, assume um lugar cimeiro. Tratou-se da fuga que envolveu o maior número de fugitivos, presos condenados às maiores penas que, na altura, já somavam em conjunto 77 anos de cadeia; presos que passavam 20 horas por dia completamente isolados uns dos outros e estavam sob apertada vigilância nos curtos momentos de vida em comum.
A fuga de 3 de Janeiro de 1960 exigiu longa preparação, um elevado espírito de organização, persistência, serenidade e rigorosa disciplina na execução dos trabalhos preparatórios, cuidada e eficaz coordenação no interior e no exterior da cadeia, coragem e audácia, para vencer os riscos que comportava o longo trajecto a percorrer das celas até à muralha exterior e o ultrapassar de altas muralhas. Uma fuga que pôde contar com a colaboração de um soldado da GNR do corpo de segurança externo às instalações prisionais, factor decisivo para o seu êxito. Expressão dos sentimentos antifascistas do povo foi o silêncio solidário dos populares que se deram conta da realização da fuga.
Os poderosos meios utilizados para recapturar os presos fracassaram. Salazar só foi informado da fuga no dia 5 de Janeiro. Só a 7 a censura deixou sair a notícia. A fuga de 3 de Janeiro de 1960 representou um duro golpe para o regime fascista e o seu aparelho repressivo e uma muito importante vitória do PCP e de toda a resistência antifascista.
A fuga, o congresso, a luta, a Revolução
Com a fuga de Peniche o PCP recuperou um elevado número de valiosos dirigentes, que prosseguem imediatamente a luta clandestina fora da prisão. Desenvolveu-se um importante processo de discussão interna, foi corrigido o desvio de direita, Álvaro Cunhal foi eleito Secretário-geral do PCP em 1961, dinamizou-se e intensificou-se a acção do Partido e a luta de massas – de que são importante expressão o 1.º de Maio de 1962 e a luta que conduziu à conquista das oito horas de trabalho nos campos do Sul.
O VI Congresso do PCP, realizado em 1965, que apontou o caminho que conduziu à vitória de Abril com a aprovação do programa da Revolução Democrática e Nacional (preparado na base do relatório Rumo à Vitória elaborado por Álvaro Cunhal sobre a linha política e táctica do Partido nessa etapa da revolução), não teria sido possível sem a audaciosa fuga de Peniche. Este Congresso deu uma contribuição decisiva na análise da situação nacional, no traçar da orientação, na definição das tarefas e na direcção da acção política do Partido, no combate ao oportunismo de direita e às tendências sectárias e esquerdistas do radicalismo pequeno-burguês, no alargamento e intensificação da luta nas diversas frentes.
O desenvolvimento do movimento operário, com as grandes greves operárias e a luta nos sindicatos fascistas que conduziu à criação da Intersindical em 1970 (hoje CGTP-Intersindical Nacional), do movimento democrático, do movimento juvenil, do movimento das classes e camadas médias, do movimento contra a guerra colonial e das lutas nas forças armadas, conduziu o regime a uma crise geral e ao derrubamento da mais longa ditadura fascista da Europa.
A fuga de Peniche, os quadros que disponibilizou para a luta revolucionária, com particular destaque para Álvaro Cunhal e o seu papel como Secretário-geral do Partido na preparação e êxito do VI Congresso e na luta intensa para a concretização das suas conclusões, está na base das condições para a Revolução de Abril e para o seu desenvolvimento.
O levantamento militar do dia 25 de Abril de 1974, dirigido pelos heróicos capitães do MFA, logo seguido por um levantamento popular em todo o País, com destaque para as inesquecíveis manifestações do 1.º de Maio, constituíram factores decisivos para a vitória sobre o regime fascista e para assegurar o curso do processo da Revolução de Abril, grande afirmação de liberdade, emancipação social e independência nacional.
A acção dos comunistas e de muitos outros democratas revelou-se decisiva na resistência à ditadura fascista e ao colonialismo e foi igualmente decisiva para imprimir um fluxo revolucionário aos acontecimentos do 25 de Abril, que conduziram a um vastíssimo conjunto de transformações políticas, económicas, sociais e culturais e à conquista de importantes direitos e liberdades.
Faz, pois, todo o sentido, na evocação desta fuga, ligar as comemorações do centenário de Álvaro Cunhal às comemorações do 40.º aniversário do 25 de Abril de 1974 – da Revolução de Abril. A Revolução cujos protagonistas foram a classe operária e os trabalhadores, as massas populares e os militares progressistas – os «capitães de Abril» – unidos na aliança Povo-MFA, para a qual Álvaro Cunhal e o PCP deram um elevado contributo.
O percurso do Partido Comunista Português continua, hoje, na luta por uma política alternativa, patriótica e de esquerda, afirmando o projecto inscrito na Constituição da República Portuguesa; por uma Democracia Avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal. Uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural. Uma Democracia Avançada que é parte integrante da luta pelo socialismo e o comunismo.