25 de Novembro

A verdade dos factos (conclusão)

A pre­pa­ração e a exe­cução do golpe mi­litar contra-re­vo­lu­ci­o­nário de 25 de No­vembro re­a­lizou-se no quadro com­plexo e mo­ve­diço de ali­anças di­versas e con­tra­di­tó­rias, de ar­ru­ma­ções e de­sar­ru­ma­ções de forças em mo­vi­mento, de ob­jec­tivos po­lí­ticos e mi­li­tares di­fe­ren­ci­ados e in­com­pa­tí­veis no que res­peita ao que cada qual pre­tendia como re­sul­tado final do golpe.

Ela­bo­rado sob a di­recção pes­soal de Eanes (como Gomes Mota in­forma e Vasco Lou­renço con­firma) o Plano per­mite ex­plicar e com­pre­ender muitos dos as­pectos mais con­tra­di­tó­rios e po­lé­micos do golpe.

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Mário So­ares e o PS par­ti­ci­param com im­por­tante con­tri­buição na for­mação da grande ali­ança contra-re­vo­lu­ci­o­nária an­ti­co­mu­nista e anti-MFA, que con­duziu ao golpe. Mas pela iden­ti­fi­cação dos seus ob­jec­tivos e pela sua co­la­bo­ração es­treita e pri­o­ri­tária com as forças mais re­ac­ci­o­ná­rias, es­ti­veram à margem do pro­cesso efec­tivo de pre­pa­ração do golpe e não con­se­guiram de­sen­ca­dear o que ape­li­davam de «contra-golpe», nem con­se­guiram o seu ob­jec­tivo de re­primir e ile­ga­lizar vi­o­len­ta­mente o PCP e o mo­vi­mento ope­rário.
Muitos anos mais tarde, So­ares diz que, logo no dia 26, apoiou e «pa­receu-lhe sen­sata» a cé­lebre de­cla­ração de Melo An­tunes na te­le­visão: que «os co­mu­nistas eram in­dis­pen­sá­veis para que se cum­prissem as re­gras do jogo de­mo­crá­tico» (Maria João Avillez, So­ares. Di­ta­dura e Re­vo­lução , ed. cit., p. 489). Fan­tás­tica re­vi­ra­volta, na hora do fra­casso da ten­ta­tiva de de­sen­ca­dear a guerra civil a partir do Norte.
A ver­dade é que, no 25 de No­vembro, So­ares, de com­pa­nhia com a ex­trema di­reita, so­freu séria der­rota po­lí­tica. Nem a li­qui­dação mi­litar da «Co­muna de Lisboa», nem guerra civil, nem ile­ga­li­zação e re­pressão do PCP, nem in­ter­venção efec­tiva na saída po­lí­tica da si­tu­ação. É per­ti­nente a ob­ser­vação de Melo An­tunes de que «não é por acaso que das suas de­cla­ra­ções con­ti­nuam a não constar grandes re­fe­rên­cias ao 25 de No­vembro» (Indy, 27-11-1998).
Há quem não com­pre­enda como foi pos­sível a sur­pre­en­dente so­lução po­lí­tica, que no ime­diato veio a re­sultar do golpe. Com a sal­va­guarda das li­ber­dades e da de­mo­cracia. Com a for­mação de um go­verno em que con­ti­nuou o PCP. Com a apro­vação e pro­mul­gação da Cons­ti­tuição pela As­sem­bleia Cons­ti­tuinte.
E en­tre­tanto essa so­lução po­lí­tica era uma pos­si­bi­li­dade há muito con­si­de­rada pelo PCP na sua aná­lise da si­tu­ação e na sua acção prá­tica. Uma tal saída po­lí­tica do golpe «contra o PCP» re­sultou da ali­ança, não ne­go­ciada, não de­ba­tida, não acor­dada, não ex­pli­ci­tada, mas ali­ança com o PCP, con­jun­tural e ob­jec­ti­va­mente exis­tente, de chefes das Forças Ar­madas, des­ta­cados par­ti­ci­pantes na pre­pa­ração do golpe e na sua exe­cução, mas de­fen­sores da con­ti­nu­ação das li­ber­dades e da de­mo­cracia po­lí­tica.
A ali­ança, que de­cidiu da saída po­lí­tica do 25 de No­vembro, não foi pois a que Mário So­ares in­di­cava como sendo a do «contra-golpe» – «mi­li­tares mo­de­rados, Grupo dos Nove e PS». Não, não foi essa ali­ança que re­a­lizou o 25 de No­vembro nem a que in­ter­veio na saída po­lí­tica do golpe. No com­plexo quadro da grande ali­ança contra-re­vo­lu­ci­o­nária, o PS, no 25 de No­vembro, acabou por ficar de fora, como atrás ano­támos. É Eanes que, ci­tando o «Plano de Ope­ra­ções», o tes­te­munha (O In­de­pen­dente, 29-4-1994).
De facto, o «Plano de Ope­ra­ções», pu­bli­cado como anexo em vá­rios li­vros, e não nos consta tenha sido des­men­tido, jus­ti­fica in­tei­ra­mente essa afir­mação.
Em­bora ad­mi­tindo poder vir a ser ne­ces­sário um «plano de acção po­lí­tica com des­lo­cação dos ór­gãos do poder po­lí­tico para o Norte», o Plano es­ta­be­lece que «a acção de­ci­siva pro­cessar-se-á na Re­gião Mi­litar de Lisboa» «seja ou não» a ini­ci­a­tiva das «forças da ordem».
Ela­bo­rado sob a di­recção pes­soal de Eanes (como Gomes Mota in­forma e Vasco Lou­renço con­firma) o Plano per­mite ex­plicar e com­pre­ender muitos dos as­pectos mais con­tra­di­tó­rios e po­lé­micos do golpe.
O «Plano de Ope­ra­ções» contém, ob­jec­ti­va­mente, não o plano de um contra-golpe mas de um golpe. Não uma acção mi­litar para res­ponder a um golpe efec­tuado ou em curso, mas o plano de um golpe mi­litar, exi­gindo longa pre­pa­ração, com o ob­jec­tivo de pôr fim a uma si­tu­ação po­lí­tico-mi­litar cuja res­pon­sa­bi­li­dade atri­buem ao PCP.
O Plano é con­ce­bido como um golpe à es­cala na­ci­onal e com plano de ope­ra­ções em todas as re­giões. Faz um ba­lanço das «uni­dades fa­vo­rá­veis» e «uni­dades não se­guras» in­di­cando as ope­ra­ções mi­li­tares do golpe de­cor­rentes da si­tu­ação ava­liada em cada caso.
Aponta os termos con­cretos da in­ter­venção tanto das uni­dades das Re­giões Mi­li­tares do Norte, do Centro, do Sul e de Lisboa, como dos par­tidos que apoiam o golpe.
O Plano, em­bora ad­mi­tindo que o mo­mento da exe­cução possa ter de ser de­ter­mi­nado por cir­cuns­tân­cias não pre­vistas, «está ela­bo­rado para a hi­pó­tese da ini­ci­a­tiva ser das forças da ordem» (hi­pó­tese 2.ª) e vai ao ponto de in­dicar a al­tura do dia para o co­meço das ope­ra­ções de tais ou tais uni­dades.
O Plano, nas al­ter­na­tivas que co­loca em muitos casos ao de­sen­vol­vi­mento das ope­ra­ções, contém uma ava­li­ação de in­cer­tezas e con­tra­di­ções, que re­flectem e cor­res­pondem às con­tra­di­ções do pró­prio golpe.
Por um lado, cons­titui um ele­mento do pro­cesso geral da contra-re­vo­lução no ca­minho para o fim da di­nâ­mica re­vo­lu­ci­o­nária, para a efec­tiva dis­so­lução do MFA, para o res­ta­be­le­ci­mento da hi­e­rar­quia mi­litar con­tro­lada pelas forças de di­reita.
Por outro lado, o seu re­sul­tado ime­diato não foi a re­pressão ao PCP e ao mo­vi­mento ope­rário e a ins­tau­ração de uma nova di­ta­dura, como que­riam, e não es­ti­veram longe de con­se­guir, os pro­ta­go­nistas e apoi­antes fas­cistas e fas­ci­zantes, mas a con­ti­nu­ação (com os co­mu­nistas e com um forte mo­vi­mento sin­dical de classe) de um re­gime de­mo­crá­tico.
Os prin­ci­pais di­ri­gentes dos par­tidos que ti­nham par­ti­ci­pado e apoiado a re­a­li­zação do golpe evi­taram até hoje dar sobre isso uma apre­ci­ação frontal. Dei­xaram isso para o Jardim e para os bom­bistas.
Pouco con­for­mado com a saída po­lí­tica, Galvão de Melo (em 8 de De­zembro), bran­dindo a moca, ape­lava para que os co­mu­nistas fossem lan­çados ao mar.
Al­berto João Jardim diria mais tarde que «o pro­blema foi que as Forças Ar­madas vol­taram a fa­lhar por dei­xarem in­com­pleta a missão pa­trió­tica em que se en­vol­veram a 25 de No­vembro. Passou-se uma es­ponja sobre os crimes que vi­nham sendo co­me­tidos desde o 25 de Abril» «man­ti­veram uma As­sem­bleia Cons­ti­tuinte eleita em con­di­ções de total falta de im­par­ci­a­li­dade e li­ber­dade para vá­rios par­tidos po­lí­ticos, o que deu a bor­rada ainda hoje em vigor, quando de­viam ter dis­sol­vido essa As­sem­bleia e, então sim, isso feito, re­a­lizar elei­ções ver­da­dei­ra­mente li­vres» (O Diabo, 4-4-1994).
O chefe do mo­vi­mento ter­ro­rista Maria da Fonte res­pon­sável por nu­me­rosos as­saltos, aten­tados, des­trui­ções de ins­ta­la­ções do PCP, la­men­tando não ter ven­cido o «Plano» gi­zado para li­quidar fi­si­ca­mente o PCP, re­fe­rirá o golpe re­a­li­zado como «aquele 25 de No­vembro», «o pu­dico golpe mi­litar de No­vembro de 1975», que quis «evitar» que a in­ter­venção dos civis na exe­cução do «Plano» «pu­desse re­sultar em al­gumas cen­tenas de mortos» (Pa­ra­dela de Abreu, ob. cit., pp. 153 e 154). Que im­por­tância teria isso?
Jo­a­quim Fer­reira Torres, des­ta­cado ac­ti­vista do MDLP e con­tra­tador do mer­ce­nário Ra­miro Mo­reira, con­si­derou o 25 de No­vembro «uma traição» (ob. cit., p. 188).
Também o có­nego Melo ficou ma­ni­fes­ta­mente de­si­lu­dido. Tanto em­penho, tanta mo­bi­li­zação das po­pu­la­ções ar­re­gi­men­tadas pela Igreja e pelos pa­dres, tantos as­saltos e des­trui­ções de Cen­tros de Tra­balho do PCP, tantas bombas, tantos aten­tados – al­guns dos quais até tem sido di­fícil manter im­punes – e afinal um tal re­sul­tado: li­ber­dades, re­gime de­mo­crá­tico, apro­vação da Cons­ti­tuição. De­sa­pon­ta­mento pro­fundo. Não sabe como ex­plicar mas ex­plica: «O 25 de No­vembro foi da total res­pon­sa­bi­li­dade dos mar­xistas […] foi uma luta de mar­xistas» (en­tre­vista ao Diário do Minho/​Rádio Re­nas­cença, 13-3-1999). Só fal­tava mais esta, não é ver­dade?
Como po­diam fas­cistas e fas­ci­zantes, mi­li­tares ra­di­cais, bom­bistas do MDLP, do Maria da Fonte e do ELP, como po­diam PS, PPD e CDS aceitar que a saída po­lí­tica de um golpe contra-re­vo­lu­ci­o­nário anti-PCP fosse a con­ti­nu­ação e re­to­mada de fun­ções de um go­verno com a con­ti­nu­ação da par­ti­ci­pação do PCP, com um mi­nistro e seis se­cre­tá­rios de Es­tado?
Não po­diam aceitar e não se deram por ven­cidos. Vol­taram à carga no ime­diato numa res­saca que, como ve­remos, teve como ob­jec­tivos ime­di­atos fun­da­men­tais in­verter a si­tu­ação, im­pedir a apro­vação e pro­mul­gação da Cons­ti­tuição pela As­sem­bleia Cons­ti­tuinte e as­se­gurar a efec­tiva to­mada do poder pela contra-re­vo­lução.

Ca­pí­tulo 8 do livro de Álvaro Cu­nhal «A ver­dade e a men­tira na Re­vo­lução de Abril: A contra-re­vo­lução con­fessa-se», Edi­ções Avante!, Lisboa, Se­tembro de 1999, ISBN 972-550-272-8




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