Carregar todo o fardo no povo
«Um passo significativo na agudização da crise», com os mesmíssimos objectivos de roubo dos trabalhadores e reformados e de «reconfiguração do Estado à medida da banca e dos grandes grupos económicos», assim avalia o PCP o Orçamento do Estado para 2014, cuja discussão na generalidade tem hoje início na AR.
No OE não há qualquer repartição equitativa de sacrifícios
Uma proposta que tal como as duas anteriores assume o «confronto com a Constituição e a concepção de democracia nela inscrita», considerou o líder parlamentar comunista João Oliveira em conferência de imprensa realizada sexta-feira, 25, onde, a par de uma cuidada análise ao seu conteúdo, deu a conhecer as principais propostas do PCP de alteração ao documento.
Desmontada com profundidade foi desde logo a linha de propaganda segundo a qual o Governo teve em conta neste OE uma repartição equitativa de sacrifícios entre o trabalho e o capital. «Não há sequer distribuição de sacrifícios», garantiu, peremptório, o presidente da formação comunista, sublinhando que toda a carga recai sobre os trabalhadores e o povo, com o «produto do saque a ser distribuído pela banca, os especuladores e os grandes grupos económicos».
A ilustrar essa realidade está o agravar das medidas de roubo verificadas nestes dois anos a quem trabalha ou trabalhou, através de um corte adicional nos salários e pensões que será acumulável ao roubo por via de IRS, o qual se estima venha a ser em 2014 de 3300 milhões de euros a mais do que em 2012 (em 2013 esse agravar da carga fiscal em sede de IRS é de mais 3000 milhões relativamente a 2012).
Em paralelo, referiu João Oliveira, agravam-se as medidas de ataque aos funcionários públicos, avultando entre o conjunto de outras linhas gravosas o aumento do horário de trabalho para as 40 horas, o corte das pensões da CGA e os despedimentos, «directamente ou por intermédio da designada requalificação».
Não menos significativo quanto às opções do Governo é o indicador que mostra que cerca de dois terços (2211 milhões de euros) do valor das chamadas medidas de consolidação orçamental advém de cortes nos salários e pensões dos funcionários públicos, trabalhadores das empresas públicas e aposentados da CGA.
«Se a estes cortes somarmos as medidas que afectam as funções sociais do Estado, então 82% (3200 milhões de euros) da consolidação orçamental é obtida à custa dos trabalhadores, reformados e pensionistas», referiu o líder parlamentar do PCP, pondo assim a nu a natureza de classe das medidas de política vertidas no OE. Um desequilíbrio que é mais escandaloso ainda se se acrescentar que o «esforço adicional» exigido à banca (50 milhões de euros) e ao sector energético (100 milhões) representa apenas cerca de 4% dessa consolidação orçamental.
Cortar a eito
Os cortes brutais nas funções sociais do Estado constituem, por outro lado, a par do desrespeito pela Constituição, a expressão concreta desse objectivo maior que o Governo persegue de reconfigurar o Estado à medida dos grandes interesses da banca e dos grandes grupos económicos. É assim que a Saúde, por exemplo, sofre um corte de menos 9,4% (menos 848 milhões de euros) e a Educação vê baixar o orçamento em 7,1% (menos 570 milhões de euros), reduções que vão em sentido contrário à evolução dos juros da dívida pública que sobem para 7324 milhões de euros.
Ora o que estes números mostram, no entender do PCP, é que o «pacto de agressão foi assinado não para evitar que o Estado ficasse sem dinheiro para pagar salário e pensões mas para garantir que os credores nacionais e estrangeiros receberiam o capital e os juros da dívida pública até ao último cêntimo».
Criticado no OE com dureza é ainda o corte de 1000 milhões no investimento público, o prosseguimento do programa de privatizações e concessões, os encargos com as PPP, bem como os benefícios ao grande capital traduzidos, entre outras medidas, numa redução da taxa de IRC.
Política de saque
Apontada à proposta de OE é, noutro plano ainda, uma completa falta de credibilidade quanto à evolução da situação económica e social e às metas nele previstas.
João Oliveira admitiu mesmo que o incumprimento dos objectivos de consolidação orçamental (redução do défice e da dívida pública) não constitua um problema para o Governo e para a troika, antes funcione como «pretexto ideal para ir impondo a sua política de saque aos rendimentos do povo, com a cobertura do pacto de agressão ou com a mesma cobertura numa diferente designação de programa cautelar ou segundo resgate».
A sustentar esta sua leitura a bancada do PCP recorda o facto de terem sido impostos mais de 20 000 milhões de euros de medidas de austeridade contra os trabalhadores e os portugueses em geral, desde a assinatura do pacto de agressão, sem que o défice tenha sofrido uma diminuição significativa (de -4,4% em 2011 para -4,0% em 2014).
Também a previsão de crescimento do PIB de 0,8% não é merecedora de crédito, na perspectiva do PCP, que assinala não ter devidamente em conta os efeitos recessivos da austeridade.
O PCP não acredita igualmente na perspectiva de crescimento do investimento, tal como não vê que a procura externa líquida possa justificar a passagem da recessão de -1,8% para um crescimento de 0,8%, uma vez que o «crescimento das exportações desacelera e o das importações acelera».
Propostas do PCP
A alternativa existe
A renegociação da dívida pública, estabelecendo como limite para o pagamento de juros em 2014 um montante máximo correspondente a 2,5% do valor das exportações de bens e serviços (no caso um limite máximo de 1660 milhões de euros), permite uma poupança de 5664 milhões de euros na despesa do Estado.
Esta é uma das propostas a apresentar pelo Grupo Parlamentar do PCP no decurso da discussão do OE e que, somada com outras a formalizar em breve, permite obter no seu conjunto uma redução da despesa do Estado num montante global estimado entre 6100 e 8600 milhões de euros.
Inserida numa perspectiva de renegociação da dívida, aquela proposta visa garantir que o «País paga a dívida sem empobrecer, assumindo esse compromisso de pagamento na medida das possibilidades que resultem da situação económica em que se encontra».
Uma segunda proposta de grande alcance é a que se destina a cumprir o objectivo de anular os encargos do Estado com as PPP. Garantida é apenas a transferência para as entidades concessionárias das receitas obtidas com a exploração, assegurando, excepcionalmente, como explicou João Oliveira, «os recursos adicionais necessários à prestação dos serviços e à manutenção dos postos de trabalho quando aquelas receitas não sejam suficientes para o efeito». Com esta medida transitória, que quer ver acompanhada pelo desencadear do processo de extinção das PPP, a bancada comunista afirma ser possível uma poupança máxima de 1645 milhões de euros na despesa do Estado.
A anulação dos contratos SWAP ainda existentes entre entidades e empresas públicas e o Banco Santander, eliminando as perdas potenciais que lhes estão associadas, é uma terceira proposta de alteração ao OE já dada a conhecer e com a qual o PCP estima ser possível poupar mais 1225 milhões de euros na despesa do Estado.
Propostas, todas elas, de um conjunto muito amplo cobrindo os mais variados domínios, a demonstrar que há uma política alternativa, patriótica e de esquerda, capaz de defender os salários, pensões e prestações sociais, garantir as funções sociais do Estado, uma outra política económica e uma mais justa redistribuição da riqueza.