Comentário

Um resultado eleitoral incómodo

Inês Zuber

O resultado da CDU nas eleições autárquicas de 29 de Setembro encerra múltiplos significados. Já o Comité Central o caracterizou como «uma vitória da confiança e da esperança sobre a desilusão e o conformismo, inseparável da luta dos trabalhadores e do povo». É também, certamente, uma vitória da democracia, do projecto original do poder local democrático emanado da vontade popular em Abril, que se reflectiu no aumento de votos na força política que mais tem defendido esse projecto – a CDU.

Em tempos da chamada «crise económica», os poderes dominantes confrontados com perdas eminentes e consumadas, tudo tentam para salvaguardar os seus sistemas de acumulação, incluindo reconfigurar os sistemas democráticos – por vezes de forma simulada – para que estes se estruturem de acordo com os seus interesses. Ao longo de vários anos, o poder local democrático tem sofrido vários atentados que visam desvirtuar os seus princípios democráticos essenciais – a descentralização administrativa, autonomia financeira e de gestão, reconhecimento de património e finanças próprias, poder regulamentar, colegialidade, responsabilidade da gestão perante uma assembleia eleita directamente e por sistema proporcional, larga participação popular das suas organizações representativas. Em contraposição com as câmaras e juntas de freguesia do regime fascista – repressivas, subordinadas e dependentes do poder central – o poder local democrático consagrado na Constituição de 1976 teve como uma das premissas fundamentais a descentralização de poderes (criação de novos níveis de poder eleito mais próximos das populações), potenciando assim os mecanismos e formas de participação popular nos órgãos de poder de maior proximidade.

A votação que a CDU obteve nas eleições autárquicas é também expressão da resistência contra a construção de um caminho que a UE vai traçando nas costas das populações, e que passa também pela transfiguração do regime político:

1. A troika estrangeira (União Europeia/BCE/FMI) e a troika nacional acordaram alegremente a extinção de milhares de freguesias, sem terem em nenhuma consideração a opinião das populações afectadas, negando-lhes o direito à democracia de proximidade. Simultaneamente, a Comissão Europeia gasta milhões na campanha relativa ao Ano Europeu dos Cidadãos 2013, onde nos tenta convencer das virtualidades da «Cidadania Europeia». Ficamos com menos autarquias, mas temos o direito de apresentar queixas ao Provedor de Justiça Europeu, de fazer compras em linha protegidos pela legislação comunitária ou de fazer chamadas de roaming mais baratas. Deixamos de poder eleger representantes e participar nas decisões políticas dos territórios que nos estão mais próximos, mas podemos participar no ex-libris da participação democrática concebida pela UE – a «Iniciativa de Cidadania Europeia», segundo a qual um milhão de cidadãos provenientes de, pelo menos um quarto dos países da UE, podem propor um acto jurídico. É esta a farsa da «democracia europeia». Os votos na CDU nas eleições autárquicas significaram também a rejeição desta farsa e a defesa do poder local democrático, reforçando a confiança em quem desde sempre o tem defendido.

 2. O voto na CDU significou também a afirmação de confiança na única forca política portuguesa que tem mostrado, na acção e prática diárias, a sua independência política relativamente ao projecto de integração capitalista europeu, recusando os seus partidos integrar qualquer partido político europeu. Integrar um partido político europeu seria aceitar as condicionantes impostas ao nível do seu funcionamento, estruturação e financiamento, e a total sujeição das opções políticas à ideologia impressa na matriz doutrinária intrínseca à UE – o capitalismo, o neoliberalismo, o federalismo, o militarismo. No futuro próximo, os poderes dominantes das instituições europeias tentarão impor, na teoria e na prática, a invisibilidade ou não-existência dos partidos não filiados em partidos políticos europeus. O fantástico resultado da CDU ganha, também aqui, um significado inquestionável. Inquestionável e, sem dúvida, muito incómodo, para os que querem que a ideologia dominante seja ainda mais dominante.




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