Comentário

Outra Europa na Festa

Maurício Miguel

É muitas vezes di­fícil co­meçar a es­crever a pri­meira pa­lavra, a pri­meira frase, o pri­meiro pa­rá­grafo e pode ser de­pois tão ou mais di­fícil parar, dizer já basta ou sim­ples­mente ter­minar porque en­tre­tanto to­mámos um tal ba­lanço que o es­paço dis­po­nível já não nos per­mite con­ti­nuar. Di­fi­cul­dade acres­cida é também esta que agora sen­timos quando nos atre­vemos a eleger como tema desta cró­nica a Festa do Avante!, ou me­lhor, para sim­pli­ficar um pouco mais a ta­refa, abordar o con­tri­buto que ela tem dado e, com cer­teza, con­ti­nuará a dar à luta por uma outra Eu­ropa. Não é por pre­guiça que aban­do­namos o tema mais geral da Festa do Avante!, mas por uma razão mais banal: a nossa in­ca­pa­ci­dade de a tra­duzir de­vi­da­mente, por pa­la­vras es­critas; porque por muitas que sejam, por me­lhor sequência que lhes demos, por me­lhor es­colha que fa­çamos ou por pro­cura exaus­tiva a que nos de­di­quemos, elas tendem a ficar aquém de um acon­te­ci­mento po­lí­tico-cul­tural-des­por­tivo-so­cial sem pa­ra­lelo em Por­tugal. Não nos ilu­damos, nem cri­emos an­si­e­dades es­té­reis, as pa­la­vras con­ti­nu­arão, pela vida fora e tei­mo­sa­mente, ape­tece dizer, a negar-nos a com­pre­ensão de toda a re­a­li­dade, li­mi­tando-se apenas a re­flectir os frag­mentos que a nossa com­pre­ensão al­cança.

A Festa, o jornal que lhe dá nome e o Par­tido que lhes en­forma o ca­minho têm cum­prido o seu papel único e in­subs­ti­tuível na de­núncia, no es­cla­re­ci­mento, na mo­bi­li­zação e na luta por outra Eu­ropa. A Festa não é uma re­a­li­dade à margem da so­ci­e­dade por­tu­guesa, muito menos se con­cre­tiza fora da si­tu­ação eco­nó­mica, po­lí­tica, so­cial e cul­tural rui­nosa para que a po­lí­tica de di­reita tem em­pur­rado o País; ela será o re­flexo da in­tensa luta de classes que o nosso povo trava, da si­tu­ação do País e das lutas mais ge­rais – também de classes – na União Eu­ro­peia (UE). Ao longo dos anos a Festa foi um mo­mento im­por­tante para a com­pre­ensão do pro­jecto im­pe­ri­a­lista em cons­trução na Eu­ropa, li­de­rado pelas grandes po­tên­cias e pelos seus grupos eco­nó­micos, tendo no ne­o­li­be­ra­lismo, no fe­de­ra­lismo e no mi­li­ta­rismo os seus pi­lares. Para muitos dos que vi­sitam a Festa, sejam eles ca­ma­radas ou amigos, este foi um mo­mento, para muitos o único, em que con­tac­taram com uma outra visão do que sig­ni­fica a UE, de onde vem e para onde vai; foi uma es­pécie de oásis no de­serto da pro­pa­ganda ofi­cial sobre o ca­minho de sen­tido único da UE e do apro­fun­da­mento do seu rumo, vei­cu­lado pela co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante. A Festa foi um con­tri­buto fun­da­mental para a for­mação da cons­ci­ência dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês, tanto mais im­por­tante quanto os par­tidos da po­lí­tica de di­reita e agora também do pacto de agressão (PS, PSD e CDS-PP) con­ti­nuam a negar o di­reito do nosso povo co­nhecer, de­bater e se pro­nun­ciar sobre os com­pro­missos as­su­midos nas po­lí­ticas e nos tra­tados da UE, apesar de lhes ser atri­buída a res­pon­sa­bi­li­dade pelas suas con­sequên­cias. Para muitos, a Festa foi o mo­mento em que, quem sabe também pela pri­meira vez, ou­viram falar ou leram sobre a so­be­rania na­ci­onal, não dessa que o Go­verno afirma hi­po­cri­ta­mente estar a «re­cu­perar» e que nos será in­te­gral­mente de­vol­vida quando ter­minar o pacto de agressão, mas dessa outra, a exis­tente e ins­crita na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa. Sou­beram que ela de­fine Por­tugal como um país so­be­rano, ba­seado na «dig­ni­dade da pessoa hu­mana e na von­tade po­pular», que no «res­peito e na ga­rantia de efec­ti­vação dos di­reitos e li­ber­dades fun­da­men­tais» visa a «re­a­li­zação da de­mo­cracia eco­nó­mica, so­cial e cul­tural e o apro­fun­da­mento da de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva», que «a so­be­rania é una e in­di­vi­sível e re­side no povo» e que «o Es­tado se su­bor­dina à Cons­ti­tuição e funda-se na le­ga­li­dade de­mo­crá­tica». Até os mem­bros do Go­verno se já ti­vessem ido à Festa te­riam apren­dido al­guma coisa sobre a Cons­ti­tuição e sobre a so­be­rania. Su­po­sição ab­surda dirá quem até aqui chegou e com razão pois não será por des­co­nhe­ci­mento que o Go­verno atenta contra ela mas porque quer des­trui-la ou moldá-la de acordo com os in­te­resses do grande ca­pital na­ci­onal e trans­na­ci­onal que este re­pre­senta.

A Festa deste ano con­ti­nuará a ser aquilo que é; marco de ale­gria e de con­fi­ança na luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês, na der­rota e na de­missão do Go­verno, na aber­tura de ho­ri­zontes para a al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda e o Go­verno que a con­cre­tize, como o PCP propõe, con­dição de­ci­siva para a ne­ces­sária rup­tura com a UE e a con­quista de uma outra Eu­ropa dos tra­ba­lha­dores e dos povos; uma Eu­ropa de paz e jus­tiça so­cial.




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