Outra Europa na Festa
É muitas vezes difícil começar a escrever a primeira palavra, a primeira frase, o primeiro parágrafo e pode ser depois tão ou mais difícil parar, dizer já basta ou simplesmente terminar porque entretanto tomámos um tal balanço que o espaço disponível já não nos permite continuar. Dificuldade acrescida é também esta que agora sentimos quando nos atrevemos a eleger como tema desta crónica a Festa do Avante!, ou melhor, para simplificar um pouco mais a tarefa, abordar o contributo que ela tem dado e, com certeza, continuará a dar à luta por uma outra Europa. Não é por preguiça que abandonamos o tema mais geral da Festa do Avante!, mas por uma razão mais banal: a nossa incapacidade de a traduzir devidamente, por palavras escritas; porque por muitas que sejam, por melhor sequência que lhes demos, por melhor escolha que façamos ou por procura exaustiva a que nos dediquemos, elas tendem a ficar aquém de um acontecimento político-cultural-desportivo-social sem paralelo em Portugal. Não nos iludamos, nem criemos ansiedades estéreis, as palavras continuarão, pela vida fora e teimosamente, apetece dizer, a negar-nos a compreensão de toda a realidade, limitando-se apenas a reflectir os fragmentos que a nossa compreensão alcança.
A Festa, o jornal que lhe dá nome e o Partido que lhes enforma o caminho têm cumprido o seu papel único e insubstituível na denúncia, no esclarecimento, na mobilização e na luta por outra Europa. A Festa não é uma realidade à margem da sociedade portuguesa, muito menos se concretiza fora da situação económica, política, social e cultural ruinosa para que a política de direita tem empurrado o País; ela será o reflexo da intensa luta de classes que o nosso povo trava, da situação do País e das lutas mais gerais – também de classes – na União Europeia (UE). Ao longo dos anos a Festa foi um momento importante para a compreensão do projecto imperialista em construção na Europa, liderado pelas grandes potências e pelos seus grupos económicos, tendo no neoliberalismo, no federalismo e no militarismo os seus pilares. Para muitos dos que visitam a Festa, sejam eles camaradas ou amigos, este foi um momento, para muitos o único, em que contactaram com uma outra visão do que significa a UE, de onde vem e para onde vai; foi uma espécie de oásis no deserto da propaganda oficial sobre o caminho de sentido único da UE e do aprofundamento do seu rumo, veiculado pela comunicação social dominante. A Festa foi um contributo fundamental para a formação da consciência dos trabalhadores e do povo português, tanto mais importante quanto os partidos da política de direita e agora também do pacto de agressão (PS, PSD e CDS-PP) continuam a negar o direito do nosso povo conhecer, debater e se pronunciar sobre os compromissos assumidos nas políticas e nos tratados da UE, apesar de lhes ser atribuída a responsabilidade pelas suas consequências. Para muitos, a Festa foi o momento em que, quem sabe também pela primeira vez, ouviram falar ou leram sobre a soberania nacional, não dessa que o Governo afirma hipocritamente estar a «recuperar» e que nos será integralmente devolvida quando terminar o pacto de agressão, mas dessa outra, a existente e inscrita na Constituição da República Portuguesa. Souberam que ela define Portugal como um país soberano, baseado na «dignidade da pessoa humana e na vontade popular», que no «respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais» visa a «realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa», que «a soberania é una e indivisível e reside no povo» e que «o Estado se subordina à Constituição e funda-se na legalidade democrática». Até os membros do Governo se já tivessem ido à Festa teriam aprendido alguma coisa sobre a Constituição e sobre a soberania. Suposição absurda dirá quem até aqui chegou e com razão pois não será por desconhecimento que o Governo atenta contra ela mas porque quer destrui-la ou moldá-la de acordo com os interesses do grande capital nacional e transnacional que este representa.
A Festa deste ano continuará a ser aquilo que é; marco de alegria e de confiança na luta dos trabalhadores e do povo português, na derrota e na demissão do Governo, na abertura de horizontes para a alternativa patriótica e de esquerda e o Governo que a concretize, como o PCP propõe, condição decisiva para a necessária ruptura com a UE e a conquista de uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos; uma Europa de paz e justiça social.