Revelações
De vez em quando os banqueiros brindam-nos com os seus mais secretos pensamentos e elaboradas reflexões, todos eles bastante reveladores dos seus interesses e objectivos. Quem não se lembra ainda do «ai, aguenta, aguenta» de Fernando Ulrich, do BPI, referindo-se às medidas do pacto de agressão já implementadas e à sua intensificação. A habilidade para a contenção e a descrição não é evidentemente muita. Talvez por isso tenham encontrado para gerir os seus interesses e os da sua classe os que têm maior habilidade para o fazer, sendo-lhes conveniente que assim seja. Dessa forma tentam convencer os trabalhadores e o povo de que, afinal, as políticas de cada governo não beneficiam uma classe, a sua, mas que são antes o resultado da conciliação de distintos interesses. Os banqueiros não são os únicos a quem falta a habilidade e a contenção. António Borges, assessor do Governo para as privatizações, apresentou a sua solução para os problemas que o País enfrenta: «Não há melhor regime do que uma ditadura iluminada». Manuela Ferreira Leite foi outra que, ainda enquanto líder do PSD, nos presenteou com uma reflexão de sentido igual: «Até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia». Depois de algum alarido inicial e de doses de aparente indignação, a comunicação social dominante apaga do nosso convívio estes desabafos reveladores, insistindo antes em nos impor doses reforçadas de chantagem, manipulação e desinformação que apenas servem a continuação da mesma política nos interesses das mesmas classes.
Tais reflexões não conhecem fronteiras. No plano internacional, alguns banqueiros poderiam até ser acusados de plágio. Num documento produzido sobre o processo de «ajustamento» na zona euro, elaborado por uma equipa de estudos de economia na Europa de um dos maiores bancos dos EUA e do mundo, o JP Morgan Chase, considera-se que o processo de destruição de forças produtivas e de direitos e conquistas sociais, o desemprego crescente e a atingir valores brutais, a imposição da recessão económica, o aumento do endividamento de países como Portugal estão «apenas a meio». Segundo o documento, a «narrativa da gestão da crise» e as reformas de que a União Económica e Monetária necessita enfrentam desafios de natureza económica mas igualmente de natureza política: «As constituições e os acordos políticos estabelecidos na periferia do Sul, implementados na sequência do derrube do fascismo, têm várias funcionalidades que não servem a uma maior integração na região [do euro e de toda a União Europeia]. Quando os políticos alemães se referem a um processo de ajustamento de mais de uma década, têm provavelmente em mente a necessidade de reformas económicas e políticas.» E não ficam por aqui. Com total clareza afirmam: «Os sistemas políticos na periferia foram estabelecidos na sequência de ditaduras e foram influenciados por essa experiência. As constituições tendem a demonstrar uma forte influência socialista, reflectindo a força política que os partidos políticos de esquerda ganharam depois da derrota do fascismo.» Ainda segundo o documento do JP Morgan Chase,(1) os governos de países como Portugal são «fracos», as constituições protegem os trabalhadores e os povos têm direito de protestar se não estiverem de acordo com as «alterações ao legado político». Não há pudor em esconder o objectivo rançoso e saudosista da promoção do fascismo.
No mesmo sentido, os representantes da troika estrangeira levantaram, numa das suas «visitas», dúvidas «politicas e constitucionais» junto do Governo em relação à sua capacidade de conduzir as reformas exigidas. Para a troika estrangeira, a Constituição da República Portuguesa, os direitos que defende, os valores que afirma e o sentido que aponta são um claro empecilho aos seus objectivos. O Presidente da Republica tem dado albergue a estas preocupações, procurando criar, ou ajudar a criar, as condições para as referidas reformas defendidas pelo grande capital financeiro e pela troika estrangeira. A troika nacional (PS, PSD e CDS/PP) reitera o seu compromisso com o grande capital nacional e internacional e com os seus representantes da troika estrangeira, apesar das fingidas desavenças e da retórica mais ou menos inflamada de cada momento. A derrota destes objectivos, a alternativa, o futuro para si e para o nosso País, apenas a podem conquistar os trabalhadores, o povo e a sua luta. Como afirmou a Pasionara em seu momento: No Pasaran!
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(1) São conhecidas as ligações entre o JP Morgan Chase e o nazi-fascismo. O JP Morgan Chase e outros grandes bancos dos EUA estabeleceram mecanismos de financiamento das organizações fascistas de Mussolini e dos grandes monopólios industriais ligados ao partido nazi e a Hitler.