Comentário

Estancar a hemorragia

Maurício Miguel

São muitos milhares, talvez milhões os portugueses que emigram. Uns muito jovens, outros um pouco menos, homens ou mulheres, de formações e qualificações muito diferentes; uns são enfermeiros, outros engenheiros, arquitectos, médicos... mas igualmente pedreiros, canalizadores, serralheiros... Saem de diferentes regiões do País; são acompanhados por colegas, amigos ou pelas famílias. Os que partem ajudam outros a partir, a procurar e, talvez, a encontrar trabalho. Uns são recrutados por empresas de trabalho temporário ou aliciados por «recrutadores», outros encontraram trabalho em procura própria, outros ainda na Internet. Muitos deles, talvez mesmo a maioria, são sujeitos a situações da mais vil exploração. Repito: são milhares ou mesmo milhões. Trabalham em Bruxelas, Londres, Amesterdão, Paris, Berlim, Luanda, São Paulo, Díli ou em muitas pequenas cidades, vilas e aldeias de países das mais variadas latitudes e longitudes de um mundo dominado pela globalização capitalista e pela divisão internacional do trabalho... Enfrentam com coragem uma situação nova ou repetida em que a necessidade económica conflitua com esse sentimento tão característico dos portugueses que é a saudade. Quando os encontramos, repetem-se as conversas. Falamos do trabalho que encontraram, da adaptação, da língua que estão a aprender ou daquela que necessitavam de ter apreendido; das condições de trabalho e/ou da falta delas e das especificidades de cada profissão que por vezes confrontam a universalidade da ciência ou a experiência com as suas particularidades próprias em cada país. Falamos das expectativas e do trabalho que não encontravam, da importância da realização profissional e da falta de perspectivas num sistema que tem apenas a exploração para oferecer. E não esquecemos o almejado e quase todos os dias sonhado regresso. Sim, também há os que regressam. «Para ser explorado e/ou ganhar o mesmo que em Portugal, prefiro regressar», dizem-nos. Mas são cada vez mais os que nem em Portugal nem fora do nosso País encontram alternativa de trabalho e de vida digna. A situação em Portugal e as lutas vêm inevitavelmente à conversa, sendo esse o caminho mais próximo para abrir novos horizontes de luta nas condições da emigração.

Não são só os portugueses que partem. São também espanhóis, gregos, irlandeses, latino-americanos, africanos do Norte, do centro ou do Sul. As grandes capitais do novo império neocolonial em que se está a transformar a UE estão hoje cheias de emigrantes portugueses e de outras nacionalidades que preenchem necessidades em determinadas profissões que os nacionais não ocupam – devido às especificidades de cada país e ao seu estado de desenvolvimento –, auferindo em geral salários mais baixos e direitos sociais e laborais mais reduzidos ou quase inexistentes. Jovens e menos jovens de elevadas habilitações literárias, muitos deles com provas dadas no plano do conhecimento científico e tecnológico, vão vender conhecimento, experiência e capacidades adquiridas às suas empresas, potenciando ainda mais o acentuar das desigualdades de desenvolvimento económico entre países da UE.

A decisão de emigrar não é uma fatalidade ou uma vontade desligada da realidade e das condições objectivas quando o desemprego afecta cada vez mais trabalhadores. Trata-se da consequência de uma política que fomenta essa saída e que a utiliza a favor da redução dos custos do trabalho e da imposição de um sistema de maior exploração nas relações de trabalho. O pacto de agressão das troikas é a expressão actual dessa política em Portugal que, destruindo milhares de empresas e a capacidade produtiva do nosso País, continuará a reduzir as perspectivas de futuro a milhões de trabalhadores portugueses e a empurrar muitos deles para a emigração, privando os mesmos e o País do direito ao seu desenvolvimento.

Nesta como em outras políticas, a UE demonstra que chamar solidariedade às relações que se estabelecem no seu seio é um acto da mais descarada hipocrisia. Não são apenas – e já não seria pouco – os milhões de milhões de euros que estão a ser extorquidos pelas grandes potências e pelo grande capital, são também as empresas públicas, os recursos naturais, as infra-estruturas e esse bem mais valioso que são os trabalhadores e o nosso povo que são entregues aos interesses do grande capital nacional e transnacional. É necessário estancar esta hemorragia. O presente e o futuro do País exigem-no.



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