Constituição, desenvolvimento e soberania
«Cumprir a Constituição, assegurar o desenvolvimento soberano do País» foi o mote do debate realizado no dia 28 no âmbito da campanha do PCP «Por uma política alternativa, patriótica e de esquerda».
Não é a Constituição a responsável pela crise
Na sessão, realizada ao final da tarde num hotel de Lisboa, participaram o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa; Agostinho Lopes, do Comité Central; José Neto, da Comissão para a Área dos Assuntos Constitucionais do PCP; Guilherme da Fonseca, Juiz Conselheiro jubuilado; e José Ernesto Cartaxo, sindicalista.
Na sua intervenção, o Secretário-geral do Partido começou por lembrar que o texto constitucional não permaneceu imutável ao longo dos últimos 37 anos. Pelo contrário, foi revisto por diversas vezes, no sentido negativo, o que não deixou de ter «reflexos concretos nos direitos e aspirações dos portugueses e no estado do País». Mas apesar disso, a Constituição mantém-se, no fundamental, como um texto «moderno e avançado» que continua a ser um «obstáculo ao aprofundamento das políticas de direita e a um maior empobrecimento da democracia política, económica, social e cultural».
Para Jerónimo de Sousa, muito embora não tenham sido introduzidas alterações na Lei fundamental desde 2005, isso não significa que as forças reaccionárias tenham deixado de inscrever a alteração profunda da Constituição como um dos seus objectivos. Gorados, no imediato, os projectos de revisão do PSD e do CDS (que constituíam autênticos ajustes de contas com a Constituição de Abril), ambos os partidos têm procurado, através da acção governativa, concretizar os seus «propósitos de subversão constitucional», denunciou Jerónimo de Sousa.
Estratégia concertada
Uma coisa é clara para o dirigente comunista: «Estamos perante uma estratégia concertada na subversão da Constituição. Estamos perante um Governo apostado num recuo civilizacional, alicerçado em reiteradas políticas de exploração e empobrecimento.» A repetição exaustiva da ideia de que há que adequar o papel do Estado à sua capacidade de gerar recursos, a que se junta outra, de que sendo esses recursos escassos, escassas devem ser as políticas redistributivas do Estado, é «um sofisma que visa transformar direitos do povo em mordomias». O que importa salientar, contudo, é precisamente o oposto: o problema não está no que se gasta per capita nas funções sociais – e que é pouco – mas no que não se produz, e que poderia ser muito, garantiu o dirigente do PCP.
Para Jerónimo de Sousa, a declaração de inconstitucionalidade, por duas vezes, de normas do Orçamento do Estado pelo Tribunal Constitucional se mostra o carácter «profundamente inconstitucional da acção do Governo» revela igualmente que a Constituição não só não está suspensa como «continua a ser um obstáculo à completa subversão do Estado de direito democrático». Assim, não foi e não é a Constituição a responsável pela situação do País, mas os sucessivos governos do PS, PSD e CDS que governaram contra ela.
Projecto de futuro
Como salientou Jerónimo de Sousa, para o PCP «é e será a Constituição a matriz alternativa de promoção do desenvolvimento do País e de afirmação da soberania nacional» e é essa mesma matriz que contextualiza a proposta do Partido de uma política alternativa patriótica e de esquerda. Perante a crise e as dificuldades do presente, acrescentou o dirigente comunista, Portugal «precisa de concretizar com urgência uma política que retome e dê sentido ao projecto de sociedade e de organização da nossa vida colectiva que a Constituição consagra». Da parte do PCP, garantiu o Secretário-geral, é certa não só a sua «firme determinação em respeitar e defender a Constituição» como também uma acção constante e abnegada para dar corpo ao projecto de futuro que transporta.
Com este debate terminou o ciclo de quatro sessões, todas elas com a presença do Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, nas quais se aprofundou a discussão acerca de temas tão actuais como «O euro e a dívida – Défices estruturais», «Produzir mais para dever menos» e «As desigualdades na sociedade e no território – dimensões do desenvolvimento capitalista».
Direitos que valem
Apesar dos golpes sofridos nas várias revisões a que foi sujeita, a Constituição da República consagra ainda um «conjunto de princípios e normas que as forças reaccionárias nunca conseguiram suprimir e que se mantêm como conquistas democráticas que importa continuar a defender», assinalou Jerónimo de Sousa. Para além do preâmbulo original, que aponta o País ao socialismo, ela consagra ainda os princípios do Estado de direito democrático e, no plano das relações internacionais, princípios como a independência nacional, a não ingerência, a abolição de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração, o desarmamento geral, simultâneo e controlado e a dissolução dos blocos político-militares.
Como tarefas fundamentais do Estado, a Lei Fundamental estabelece, entre outras, a de garantir a independência nacional e os direitos e liberdades fundamentais, defender a democracia política e a participação democrática dos cidadãos e promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade entre os portugueses. No plano político consagra elementos como o sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, o reconhecimento do papel dos partidos políticos na organização e expressão da vontade popular e a proporcionalidade do sistema eleitoral, enquanto na organização económica estabelece como princípios, entre outros, a subordinação do poder económico ao poder político democrático, a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção e o planeamento democrático.
Se no que respeita ao projecto de desenvolvimento que propõe as opções constitucionais são claras – desenvolvimento económico e social, promoção do bem-estar social e qualidade de vida, justiça social e correcção das desigualdades, coesão económica e social, contrariar formas de organização económica monopolistas, eliminar o latifúndio e reorganizar o minifúndio, entre outras –, no plano dos direitos não o é menos: segurança no trabalho, liberdade sindical, contratação colectiva, direito à greve, limite máximo da jornada de trabalho, descanso semanal, férias pagas, assistência material no desemprego, salário mínimo, segurança social, saúde, habitação, educação. Direitos que, hoje, estão ameaçados pela política de direita e o pacto de agressão e urge defender. Como a Constituição que os consagra e garante.
Intervenções
«A proposta do Partido “Os Verdes” para que a nossa lei fundamental seja ensinada aos alunos do terceiro ciclo e do secundário foi, já se esperava, rejeitada pelos partidos da maioria, na Assembleia da República. O que não se esperava, porque ultrapassa tudo em arrogância e descaro, era a reacção de um deputado do PSD, para mais presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, ao afirmar que deve ser evitado o contacto dos alunos com a Lei fundamental, por ser um texto datado e de forte carga ideológica (como que a pôr na Constituição o rótulo de “perigo! manter fora do alcance das crianças!”).»
José Neto
«Cada vez acho mais importante conhecer e defender a Constituição. A Constituição não é um entrave ao desenvolvimento do País, é, pelo contrário, uma alavanca que pode contribuir para o desenvolvimento do País. (…) Cumprir a Constituição é algo indissociável da soberania portuguesa e do desenvolvimento do País. É incompreensível que se aceite, como fazem os partidos do chamado arco da governação, um memorando com múltiplos compromissos e imposições que comprometem a soberania portuguesa, transformando o país num protectorado da troika agora, e quem sabe, para sempre.»
Guilherme da Fonseca
«Apesar das graves alterações introduzidas nas suas sete revisões por PS, PSD e CDS, a Constituição da República continua a corresponder aos ideais e valores de Abril e a manter-se, no essencial, como o garante de muitos direitos, constituindo por isso um sério obstáculo aos que os querem destruir (…) Na vertente dos direitos e interesses dos trabalhadores, a Constituição, tendo optado por defender a parte mais desprotegida na relação de trabalho, tem inscritos amplos direitos incluídos no título nobre dos “Direitos, Liberdades e Garantias”.»
José Ernesto Cartaxo