Cortes na despesa e redução de custos
1 – Cumprir a Constituição com adequada gestão dos dinheiros públicos
Um governo de ineptos conduz o País ao desastre. As descontroladas reações do Governo às recentes decisões do Tribunal Constitucional procuram servir de álibi ao descalabro a que a política de direita conduziu o País e encobrir os 4000 milhões de euros de acrescida austeridade que constam na sua agenda para os próximos dois anos e que se inserem no pacto de agressão do qual o PS, pesem todos os malabarismos, não se demarcou.
Comentadores e propagandistas do sistema imposto ao País pela troika insistem nos cortes na despesa pública, com a justificação de que isso seria a alternativa ao aumento de impostos. Trata-se de um cínico sofisma, pois as propostas do Partido, e também da CGTP, para o financiamento do Estado são totalmente escamoteadas, enquanto os cortes que este desqualificado Governo tem em mente representam aumento de impostos indiretos para a classe trabalhadora, ao serem reduzidas as prestações sociais.
Há sim que restituir ao Estado as funções que constitucionalmente lhe estão acometidas, com adequada e criteriosa gestão dos dinheiros públicos. É disso que tratamos neste texto na visão de uma política patriótica e de esquerda.
2 – Os “esquecidos” e o branqueamento em curso
Georges Politzer (1) dizia que os operários da sua «Universidade Livre» sabiam mais de filosofia que os filósofos da Sorbone. Esta afirmação, que parece arrojada, tem toda a razão de ser e vale a pena recordá-la quando vemos o ministro Gaspar e o seu séquito de propagandistas enganando os portugueses com sucessivos e desastrosos erros nas suas previsões. O ano passado fez três orçamentos do Estado, sempre para pior – este ano já vai pelo mesmo. Mas vemos também os comentadores do costume, enredados no seu labirinto de desculpas e justificações, a fingir que nada tiveram que ver com os erros e falhanços cometidos nem com as «inevitabilidades» que os originaram e que sempre defenderam.
Fingem descobrir agora o que os nossos militantes e os nossos sindicalistas sabiam há muito. Por isso, a frase de Georges Politzer tem toda aplicação: o Partido sempre alertou para as desastrosas consequências económicas e sociais que decorreriam fosse dos tratados europeus, dos PEC ou por maioria de razão do que foi muito corretamente classificado como o pacto de agressão da troika.
O sr. Catroga diz que houve 15 anos de governos a fazerem erros, branqueando o tempo em que foi ministro e como se não tivesse andado a negociar com o PS orçamentos e PEC! O deputado Frasquilho, do PSD, diz que o memorando da troika estava «mal desenhado, mal concebido». Mas não o apoiou como a «ajuda», «o resgate financeiro» e «consolidação orçamental» que ia pôr Portugal no «bom caminho», com crescimento e emprego? Não votou essas medidas na AR?! Muitas outras citações deste teor podiam ser referidas.
Será que tiram conclusões dos erros e do mau «desenho»? Nenhumas, continua-se a enganar o povo com as mesmas promessas e os mesmos erros. Dizia o sr. Catroga que era preciso mais «pedagogia», mas qual pedagogia: com os mesmos erros!? O povo dispensa tais mestres e tal «pedagogia»!
3 – Cortar na despesa pública ou reduzir custos?
Parecendo ter o mesmo objetivo são conceitos e práticas muito diferentes, que devemos distinguir. No passado, foram nomeadas comissões sobre comissões, recorreu-se a equipas de consultores, sempre recheadas de gente muito credenciada – dentro da sua área ideológica – falando, como lhes é uso, de cátedra, criticando tudo e todos e produzindo montanhas de… coisa nenhuma, além de, como disse Brecht, propor que «se demitisse o povo», isto é, despedimentos. O Estado teria de «emagrecer» para a finança e os monopólios engordarem…
Vem isto a propósito dos famigerados cortes que este Governo quer impor ao País e aos trabalhadores e dos quais o PS não se demarcou claramente.
A diferença entre «redução de custos» e «corte nas despesas» é básica e essencial.
A redução de custos exige métodos próprios e processos de avaliação rigorosos de todos os fatores do desempenho. Qualquer trabalhador consciente sabe que demora tempo, exige investimento em horas de trabalho de equipas conhecedoras dos processos em análise e dos métodos aplicáveis. Nada disto tem que ver com arbitrárias decisões de topo por tecnocratas, para os quais o fator humano tem um significado desprezável.
A redução de custos é essencialmente um trabalho feito por equipas pluridisciplinares da própria empresa ou serviço, com a devida formação e motivação, eventualmente com recurso a apoio especializado.
A redução de custos é um fator decisivo da melhoria dos processos. Tem metodologias próprias como a Análise de Valor, a Análise de Funções e vários outros métodos e ferramentas, em particular do que se designa como Gestão da Qualidade, nomeadamente os processos de análise e seleção de problemas, de escolha de prioridades e de tomadas de decisão, com vista ao estabelecimento de programas devidamente estruturados, participados, com objetivos quantificados e regularmente avaliados.
A experiência mostra que este é o mais importante fator para a melhoria da eficiência, dinamizando a inovação, o aumento da produtividade e da qualidade.
Os cortes na despesa não são nada disto. Não resultam de estudos prévios ligados ao funcionamento dos organismos, são decisões arbitrárias impostas do exterior, por gente com cérebros formatados na ideologia neoliberal, de rigidez dogmática equivalente à de inquisidores e cujos objetivos se limitam à defesa dos interesses imediatos da especulação e da usura apoiadas por um inqualificável BCE, indiferentes às consequências sociais e humanas das suas ações.
A destruição dos equilíbrios sociais levada a cabo por estes burocratas é evidente em praticamente todos os países da UE, visando destruir as funções sociais do Estado e os próprios fundamentos da democracia, entregando totalmente o poder económico e portanto social, aos monopólios e à finança.
Sem adequados processos de análise e execução, sem motivação dos trabalhadores, o resultado é o desastre em termos pessoais e coletivos. A pressão sobre as pessoas que trabalham nos organismos sujeitos a estes cortes é dramática. Gera-se a desmotivação (motivação negativa), pelo medo, pela insegurança quanto ao futuro.
Os cortes na despesa são a expressão da política de submissão aos interesses da finança, com que disfarçam a ausência de uma estratégia de desenvolvimento do País, aplicados de acordo com as ordens que recebem das burocracias da UE.
O argumento da economia dos dinheiros públicos não é válido, pois neste caso teriam muitas outras soluções como as que o PCP tem proposto na AR, sem minimamente atingir trabalhadores, pensionistas, MPME, sistematicamente rejeitadas pelos partidos da troika.
O objetivo final dos «cortes na despesa» resume-se a «menos Estado» na vida pública, nas esferas económica e social, para as funções e os recursos do Estado serem entregues ao grande capital e finança. Quanto mais funções são retiradas menos trabalhadores são necessários. E assim, sucessivamente: é outro ciclo vicioso. Porém, não há Estado a mais nem trabalhadores da função pública a mais. Na UE e mesmo na OCDE, Portugal é dos países com menor proporção de trabalhadores da função pública.
A redução de custos é o processo adequado para permitir executar plenamente as funções constitucionais do Estado de forma mais eficaz, isto é, para atingir os objetivos previstos, e mais eficiente, isto é, com o máximo rendimento dos recursos utilizados.
Isto seria o que um governo patriótico e de esquerda poria em prática, contando com o entusiasmo e dedicação dos trabalhadores da função pública, que sentiriam como o seu trabalho seria relevante para o progresso e o desenvolvimento do País, sendo consequentemente recompensados moral e materialmente pelo seu desempenho.
1 - Georges Politzer, destacado militante comunista francês, filósofo, resistente e teórico marxista, fuzilado pelos nazis em 1943. Na Universidade Livre, criada pelo PCF, tinha como tarefa o curso de materialismo dialético. Do seu importante livro, «Princípios Elementares de Filosofia», circularam em Portugal no tempo do fascismo exemplares da edição brasileira. Foi em 2008 reeditado em França pela editora Delga. Existe uma rua em Paris com o seu nome e o da sua companheira, Marie Politzer, morta em Auschwitz em 1943. Existem também várias escolas públicas com o seu nome.
Nota:Por opão do autor, o texto respeita o Acordo Ortográfico.