Cambalhotas do grande capital
«Foram precisas as mentes brilhantes da Goldman Sachs para se perceber a simples verdade de que nada é mais valioso do que o nosso alimento diário. E que, onde há valor é possível fazer-se dinheiro!.. Em 1991, homens da Goldman, comandados por Gary Cohn, apresentaram um novo tipo de investimento, um derivado constituído por 24 matérias brutas, sendo as principais: energia, café, cacau, gado, milho, suínos e trigo. Fundia-se e pesava-se o valor de cada
componente, somava-se as parcelas e, depois, reduzia-se tudo a uma simples fórmula matemática que, dali em diante, se chamaria Goldman Sachs Commodity/GSCI. Em 1999, a Comissão do Comércio de Commodities Futuras, desregulamentou o mercado de “futuras” no sector dos cereais» (Frederick Kaufman, «Como a Goldman Sachs criou a Crise Alimentar», Agosto de 2011).
«O capitalismo monopolista pós-moderno imobiliza o desenvolvimento e produz o desemprego antes que se esboce, sequer, o processo de modernização tecnológica… E não são apenas trabalhadores manuais que compõem um exército de excluídos que não cessa de aumentar… São empresários falidos, profissionais liberais, intelectuais, operários, camponeses, crianças, velhos e jovens; há os sem-casa, os sem-terra, sem assistência médica, sem rendimentos, sem cidadania… A grande diferença entre este exército de excluídos e as formações correspondentes dos séculos XVIII e XIX, é a sua actual diversidade de classe social, de origem, de experiência e de cultura» (Guy Debord, «A Sociedade do Espectáculo»).
Menos de vinte anos passados sobre a desregulamentação dos mercados de cereais pode afirmar-se que o panorama financeiro da globalização se transformou profundamente. As técnicas do agronegócio generalizaram-se e são agora usadas
pelos tecnocratas em qualquer outra área, económica ou política, sobretudo no terceiro mundo, nos países emergentes ou nos estados periféricos da Europa. Em plena crise global, os capitalistas alargaram e sistematizaram o seu aparelho de intervenção. A crise dos ricos deve ser paga pelos pobres.
Muito resumidamente, trata-se do seguinte.
Nos EUA, desde há mais de 150 anos que as bolsas de valores controlavam o comércio dos cereais e garantiam privilégios apenas aplicáveis aos fazendeiros norte-americanos . Estes, ficavam protegidos dos prejuízos causados por catástrofes naturais, pelas guerras ou por revoltas de camponeses e passavam a ter acesso a créditos estatais que permitiriam, no futuro, a expansão das suas explorações agrícolas. Tratava-se de contratos do futuro que davam ao capital financeiro o domínio de áreas crescentes de latifúndio, através de investimentos especulativos nas zonas seareiras. Quem mais dinheiro tivesse, maiores extensões dominaria e maiores lucros viria a recolher. O capitalista, ainda que não trabalhasse directamente a terra, poderia comprar colheitas futuras, ainda nem sequer semeadas. Por preços liberalmente acordados entre vendedor e comprador.
Esta legislação abria portas a um efeito social desejado pelo sistema. Politicamente, a situação não era sólida. Os levantamentos de camponeses e de manufactureiros eram constantes, em grande parte motivadas pelas frequentes subidas de preços do pão. Ora, a absorção das parcelas de terreno das explorações familiares ou das reservas nativas pelos latifúndios, o domínio pelo capital da revolução industrial e as novas linhas de crédito, favoreciam a paz social indispensável ao Novo Capitalismo. Os preços estabilizaram nas padarias e foram surgindo verdadeiros gigantes dos mercados de cereais como, por exemplo, a Pizza Hut, a Nestlé, a McDonald's ou a General Mills.
A produção de cereais nos EUA veio sempre num crescendo, mesmo durante e depois das devastações causadas, na Europa, pela II Guerra Mundial. Adaptou e manteve as suas características comerciais. Mas mudou radicalmente o seu conceito de penetração nos mercados. Sobretudo a partir do Plano Marshall e da pseudo generosidade da distribuição (com contrapartidas) de pão e cereais excedentários, a ajuda alimentar serviu também para alicerçar a Guerra Fria.
Entre a opinião pública, ganhou então espaço a noção de que, afinal, o capitalismo dos monopólios é compatível com a filantropia e com o altruísmo! A fome passou a constituir uma sólida base de um lucro fabuloso...