Duas faces da mesma moeda?
Vale a pena voltar ao tema de Chipre, até porque é necessária a solidariedade dos comunistas portugueses com o povo cipriota e porque as ofensivas da UE com que nos teremos de defrontar no futuro próximo encontraram em Chipre o elo mais fraco para a realização das suas experiências laboratoriais desumanas. Muito já se disse sobre o «assalto ao Chipre».
Sabemos que o modelo encontrado pelo Eurogrupo, as chantagens de «bancarrota» anunciadas pelo BCE (e pela UE, em geral), constituiu um ataque sem precedentes aos depósitos bancários dos cipriotas. Sabemos que, no passado mês de Março, os 25 ministros do Eurogrupo decidiram encerrar o segundo maior banco do Chipre – o Laiki Bank – obrigando os titulares de depósitos, obrigações e acções acima dos 100 mil euros a sofrerem perdas que podem chegar aos 60 por cento, sendo que tal colocará em causa a existência de muitas PME cipriotas. Sabemos que se tenta justificar estas medidas acusando Chipre de ser uma «economia de casino», quando se ignora destinos como a Madeira, o Luxemburgo ou a Holanda como preferenciais para a fuga de capitais. Sabemos que os depositantes nos bancos de Chipre têm um estatuto diferente dos depositantes britânicos e holandeses dos bancos islandeses e mesmo dos depositantes de bancos como o BPN e o BPI, em Portugal (por enquanto...). Sabemos que o memorando de entendimento com medidas até 2018 a troco de um empréstimo de 10 mil milhões de euros, negociado entre o governo reaccionário cipriota e a troika – e que está ainda no segredo dos deuses – constituirá um verdadeiro «pacto de agressão» contra o povo do Chipre, cortando nos salários e pensões, destruindo serviços públicos, procedendo a privatizações e condicionando, obviamente, a utilização, propriedade e destino dos lucros das reservas de gás recentemente descobertas. Sabemos que o ministro das Finanças alemão, Wolfang Schäuble, afirmou que o Chipre é «um caso único e especial» e que o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, desdobrou-se em rectificações sobre as suas declarações acerca da possibilidade da «solução» para Chipre ser replicável. Mas será mesmo um caso único? Ou as linhas orientadoras do projecto da União Bancária e a situação adoptada para Chipre serão apenas uma semelhança que é pura coincidência?
A anteceder a reunião do Conselho Europeu de Junho do ano passado, Durão Barroso propôs perante o Parlamento Europeu a criação de uma União Bancária, com vista a criar um conjunto único de regras e um «regime de resolução de crises bancárias», com a perspectiva de criar uma «integração comum» de supervisão. Assim, em Dezembro de 2012, os 27 ministros das Finanças da UE acordaram a formação de um supervisor bancário único cujo actor principal será o BCE. O BCE fiscalizará directamente, desta forma, 200 bancos europeus (entre os quais as seis maiores instituições financeiras portuguesas) embora possa entrar em «acção» quando pressentir problemas nos restantes seis mil bancos europeus que continuarão a ser fiscalizados pelos bancos centrais nacionais. O Parlamento Europeu aprovou então um relatório sobre a União Económica e Monetária onde afirma que «um mecanismo de supervisão europeu efectivo e de elevada qualidade é necessário para assegurar que os problemas sejam detectados e tratados vigorosamente, garantir condições de concorrência equitativas entre todas as instituições financeiras e restaurar a confiança transfronteiras e evitar a fragmentação do mercado interno». Este mecanismo que retira aos estados a capacidade de supervisionarem o seu sistema financeiro é ainda pouco claro no que se refere à forma como poderá «tratar vigorosamente» os problemas dos bancos. Mas a «experiência» que a UE está a fazer com o povo cipriota indicia que esse «tratamento» poderá passar, sem sombra de dúvidas, pelo processo de aniquilação de parte do sistema financeiro, pela concentração dos grandes grupos financeiros que, como já foi dito em artigo anterior no Avante!, caracteriza uma fase de «aprofundamento das contradições entre diferentes sectores do grande capital e por consequência entre potências económicas capitalistas no contexto do aprofundamento da crise». A «união bancária» tem que ser analisada à luz destas contradições – numa perspectiva necessariamente dialéctica – que olhe para além dos simplismos aparentes.