O lucro acima das pessoas
Encontra-se desde o dia 1 na comissão parlamentar de Ambiente, para onde baixou sem votação a pedido da maioria, a proposta de lei sobre os estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). Esta é a peça que faltava para concluir o processo de privatização destes serviços iniciado há 20 anos pelo governo de Cavaco Silva.
Superado o último obstáculo legal ao controlo por capital maioritária ou integralmente privado dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos sólidos (o que foi conseguido através de proposta de lei apresentada há cerca de mês e meio na AR), em falta só estava mesmo assegurar aos privados que assumirão o controlo daqueles serviços (por via da concessão) que terão garantidamente um lucro significativo, que o negócio é dinheiro em caixa.
Por outras palavras, como explicou no debate o deputado comunista Paulo Sá, o Governo para poder privatizar tinha que «criar condições para que os custos de exploração dos sistemas multimunicipais de águas e resíduos possam ser integralmente recuperados», o que implica um agravamento das tarifas. Ora esse é exactamente o objectivo que está subjacente à presente iniciativa legislativa do Governo que altera a natureza jurídica da ERSAR.
Disse a ministra Assunção Cristas que este será «um verdadeiro regulador, autónomo, independente e com estatuto renovado», além de que terá uma «capacidade e âmbito de acção mais alargado».
E justificou esta iniciativa do Governo em nome da «saúde económica» dos sistemas, para que haja «melhor equilíbrio entre tarifas do interior e litoral». Falou ainda das dívidas do municípios, realçando que esta questão é «uma parte do problema que se liga com a falta de sustentabilidade de muitos dos investimentos». Pelo meio ficou a ameaça de que se nada for feito «haverá agravamento brutal das tarifas».
Ora na verdade o que o Governo faz é retirar às autarquias o poder de definir as tarifas, interferindo assim na sua autonomia, para o colocar na entidade reguladora.
E esta – alegadamente independente mas de facto dependente do Governo –, fará aquilo para que foi criada, ou seja, como bem assinalou Paulo Sá, «servir os interesses privados, garantindo a fixação de tarifas compatíveis com elevados lucros». A perder com a privatização, como sempre, ficarão as populações que «além do custo real do bem e do serviço vão pagar também o lucro do privado», como salientou a deputada ecologista Heloísa Apolónia.
E é por tudo isto que o PCP «rejeita a privatização do sector» e defende que a sua gestão seja feita exclusivamente por organismos públicos, «na óptica de um serviço público e não na óptica de obtenção de lucros».