Milhões param Índia para travar «austeridade»
A jornada de luta convocada por 11 centrais sindicais indianas superou todas as expectativas, mobilizando milhões de pessoas contra a política antipopular do governo.
Os trabalhadores estão firmes no propósito de derrotar a ofensiva
A resposta massiva dos trabalhadores ao repto lançado por todas as suas estruturas representativas e por vários partidos da oposição saldou-se em dois dias de paralisação absoluta no país. De acordo com os dados apurados pelo movimento sindical indiano e difundidos na página da Federação Sindical Mundial, corroborados, aliás, por informações divulgadas por agências noticiosas, a greve cumprida quarta e quinta-feira, 20 e 21, assumiu contornos históricos nos sectores público e privado, envolvendo não apenas trabalhadores sindicalizados, mas muitos milhões de outros que não o são, com vínculos permanentes ou temporários, bem como micro e pequenos empresários e comerciantes, artesãos e trabalhadores independentes.
Na banca e seguros, dezenas de milhares de dependências de entidades nacionais, regionais e estrangeiras estiveram de portas fechadas em todo o país, ultrapassando largamente a forte adesão que, habitualmente, se concentra nos centros financeiros de Mumbai e Maharashtra. Nos transportes, o cenário foi idêntico em todas regiões, com excepção dos estados de Delhi e Maharashtra, registando-se inclusivamente uma grande participação dos trabalhadores por conta própria afectos quer ao transporte de passageiros, quer de mercadorias.
Inactividade total, ainda, na exploração e refinação petrolífera, nas comunicações, na extracção mineira e inertes, defesa, energia (incluindo centrais nucleares), portos e docas, serviços públicos estatais e regionais (escolas, unidades de saúde, administração pública central e local, correios, etc), no comércio e na agricultura, na indústria e actividades transformadoras, com milhares de unidades produtivas encerradas.
As mesmas fontes indicam que em centenas de cidades e zonas industriais e à porta de milhares de empresas, os trabalhadores realizaram piquetes de greve, manifestações, concentrações e bloqueios de vias de comunicação para expressarem a sua revolta para com o pacote dito de austeridade que o governo pretende implementar a pretexto da correcção do défice das contas públicas.
Reivindicações justas
Entre as medidas propostas pelo executivo de Manmohan Singh, as que mais contestação desencadeiam são o aprofundamento da liberalização da banca e seguros e a abertura do comércio a retalho e do transporte aéreo ao investimento privado e ao domínio do capital transnacional, assim como o aumento do preço do gasóleo em 12 pontos percentuais, a redução para metade da subsidiação pública dos combustíveis consumidos pelas famílias, e o aumento generalizado dos preços do cabaz de bens de primeira necessidade.
Em contraste, as centrais sindicais aprovaram, já em Setembro de 2012, um conjunto de orientações que, garantem, permitiria inverter o declínio do crescimento económico e a degradação da situação social e laboral na Índia, de entre as quais se destaca a contenção da inflação; o combate ao desemprego e à precariedade, com a criação de pelo menos 50 milhões de empregos com vínculos permanentes; o cumprimento da legislação laboral, o reconhecimento das estruturas representativas dos trabalhadores e a ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho relativas à liberdade sindical e ao trabalho nocturno das mulheres na indústria; a universalização da segurança social, o estabelecimento de uma pensão mínima para todos e o fim dos tectos máximos impostos às prestações sociais; o reforço do investimento na administração pública e no sector empresarial estatal e o abandono do plano de privatizações; o aumento do salário mínimo para um valor nunca inferior a 10 mil rupias (138 euros); o combate à corrupção, ao desbaratamento e saque dos fundos públicos.
No dia antes da greve geral, a coligação governamental sofreu um revês, com seis ministros indicados pelo Trinamool Congress a apresentarem a sua demissão, e o partido, com vincada matriz populista, a ordenar aos seus 19 deputados que deixem de respaldar o executivo no hemiciclo.
Solidariedade de classe
Bem diferentes dos partidos burgueses, os dois partidos comunistas indianos, PCI(M) e PCI, e os seus aliados no bloco progressista e de esquerda, estiveram desde a primeira hora no esclarecimento, mobilização, construção e valorização da inédita acção de protesto. Em comunicado divulgado quinta-feira, 21, saudaram «calorosamente a classe operária, os empregados e outras camadas laboriosas que fizeram da greve um magnífico sucesso», salientando, ainda, o facto desta jornada «ter sido, pela primeira vez, convocada conjuntamente por todas as centrais sindicais», fazendo dos dois dias de paralisação «a maior movimentação de trabalhadores desde a independência do país». Esta dinâmica, acrescentaram, «prosseguirá caso o governo não responda positivamente às reivindicações dos trabalhadores».
Apreciação semelhante fizeram as 11 centrais sindicais indianas, para quem a jornada «foi muito além das nossas expectativas», mantendo, para mais, «um carácter pacífico», isto apesar do assassinato de um dirigente sindical dos transportes no Estado de Haryana, atropelado quando se encontrava num piquete.
Além dos incidentes com os fura-greves, os confrontos ocorridos durante a jornada foram desencadeados, na sua esmagadora maioria, pela acção das forças repressivas. Detenção de trabalhadores, activistas e dirigentes sindicais na noite antes do primeiro dia da greve, recrudescimento das prisões durante o protesto e inúmeras cargas policiais, incluindo contra uma manifestação que se dirigia ao parlamento e era integrada por deputados eleitos pelo Partido Comunista da Índia (Marxista), não conseguiram, no entanto, travar a iniciativa das massas e fazer a vontade ao patronato, que foi intoxicando a opinião pública com a contabilidade dos prejuízos provocados e lançando apelos ao primeiro-ministro para que mantenha o rumo «reformista».
Pelo contrário. Segundo o movimento sindical, a greve geral cresceu de forma assinalável do primeiro para o segundo dia, mostrando não apenas que «o uso indiscriminado do aparelho do Estado contra os grevistas não obteve o efeito desejado», mas, também, que os trabalhadores estão firmes no propósito de derrotar a ofensiva e forçar o governo a ouvir as reivindicações da esmagadora maioria do povo.
A CGTP-IN, por seu lado, emitiu uma nota de solidariedade para com a iniciativa dos trabalhadores indianos e das suas centrais sindicais, e sublinhou que, também em Portugal, «estamos a lutar contra políticas (…) que conduzem o País para uma profunda recessão, [e os trabalhadores e o povo] para o desemprego e o empobrecimento».
Lembrando as jornadas realizadas no passado dia 16, em 24 cidades, a Inter frisa que «este é o tempo de se unirem os trabalhadores de todo o mundo, resistirem e lutarem contra a ofensiva do grande capital que, a pretexto da crise, atinge os direitos dos trabalhadores e degrada as suas condições de vida.
«Lutemos juntos pelo fim da exploração, por uma sociedade de progresso e justiça social», apela, por fim, a central sindical de classe portuguesa.