Arroz de cordéis

Margarida Botelho

Há uns anos, ficou célebre a receita de Filipa Vacondeus de um arroz com aroma de chouriço, em que o segredo consistia em cozinhar os cordéis dos enchidos para aproveitar o sabor.

Apesar de ainda não ter aparecido uma receita tão emblemática, nestes anos que já levamos de «entroikados» são milhares os conselhos para poupar e viver com pouco. Como os elogios à «alegria da pobreza» evocam demasiado os anos do fascismo, houve que modernizar o conceito. Agora usa-se low-cost não só para viagens de avião mas para lojas de comida, clínicas dentárias e cabeleireiros. As grandes cadeias de supermercados desdobram-se em conselhos cheios de responsabilidade social: distribuem receitas do mais saudável e baratinho que há, garantem que os «produtos básicos» não aumentam, explicam como alimentar uma família com um euro, até se atrevem a ensinar-nos que «a carne de hoje é o empadão de amanhã».

Programas e rubricas a ensinar a poupar ocupam horas de televisão: do copo para lavar os dentes de Isabel Jonet, aos minutos verdes da Quercus, passando pelos passatempos nos programas da tarde em que quem ganha vê as facturas em atraso pagas, vale tudo. As lojas de produtos em segunda mão e os sites de troca quase directa florescem. As reportagens sobre desempregadas de longa duração que sobrevivem a vender bijuteria ou doces através da internet repetem-se à exaustão. Os artigos a gabar as vantagens para a saúde de levar marmita para o trabalho são a versão moderna do elogio aos pobrezinhos mas honrados.

E no entanto, por mais torneiras que se feche e luzes que se apague, por mais cartões, talões e outras promoções que se use para ir às compras, por mais refeições que se substitua por sopa ou Nestum, por mais pechinchas que se descubra, a verdade é só uma e chama-se empobrecimento. Com mais de um milhão no desemprego, com os salários cortados e os impostos asfixiantes, com os aumentos escandalosos nos bens essenciais, não há milagres nem receitas mágicas que disfarcem que os meses têm mais dias que salário. E que os portugueses estão mais pobres.

É por isso que o que o País precisa é que os trabalhadores lutem e conquistem aumentos de salário, emprego com direitos, produção nacional. É esse o caminho do futuro.



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