O caos na Terra e a paz no Céu

Jorge Messias

«Não é de hoje. Um dos segredos da sobrevivência milenar da Igreja Católica é saber estar bem com o poder. E Portugal sabe até onde se pode ir com esta convivência. E como a doutrina social da Igreja se adapta facilmente à sua hierarquia (que não é a Igreja toda, note-se bem) e aos constrangimentos dos jogos políticos» (Daniel Oliveira, Expresso, 18.10.2012).

«Segundo a doutrina do Magistério a Igreja, como comunidade, intervém na sociedade a três níveis: os cristãos leigos, guiados pela sua consciência cristã, têm toda a liberdade de participação e intervenção política; as associações da Igreja (com particular realce para a sua hierarquia), devem intervir tendo em conta o diálogo com os seus pastores; os sacerdotes e bispos têm como ministério anunciar o Evangelho e a doutrina da Igreja que é para todos, de modo que ela possa ser acolhida, nomeadamente no que diz respeito à sua doutrina social» (Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (17.9.2012), nota «Missão da Igreja num país em crise»).

«Ao intervir directamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado Assistencial provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do sector estatal, dominando por lógicas burocráticas, sem a preocupação de servir os usuários e com um acréscimo enorme de despesas» (Paulo II, «Centesimus Annus», acerca do Princípio da Subsidiaridade).

Acerca dos temas actuais das lutas a travar, convirá não deixar esquecidos dois ou três apontamentos que poderão interessar sobretudo aos crentes dignos e honestos.

Em primeiro lugar, refira-se como é evidente que as grandes linhas estratégicas de agressão e ocupação do neocapitalismo, ensinadas nas universidades e colégios católicos, correspondem à justaposição de dogmas extraídos da doutrina social católica. Se o grande capital ocupa o poder político para «refundar» a sociedade, fá-lo numa perspectiva de Nova Cruzada capaz de, a exemplo dos Templários, destruir o mundo velho e substituí-lo por uma sociedade que conserve ocultamente a antiga escala de valores que destruiu. Com novos nomes e nova gente. Mas igual à que era dantes! Pior ainda, se possível for. É assim que o sacerdote iluminado por Deus dará lugar ao leigo «illuminati» e despido de preconceitos. Ainda que o caos se instale sobre a terra.

Íamos nós, justamente, neste ponto do presente texto, quando surgiu a inesperada e retumbante notícia da resignação de Bento XVI. Mude o que mudar no nome do titular do Império de Roma, nada no fundo parece agora correr o risco de se alterar nas estruturas clericais, bem ao contrário do que acontecia em vésperas do Concílio Vaticano II ou no decurso do «folhetim» da Teologia da Libertação revolucionário da Igreja.

O rejuvenescimento das administrações dos monopólios é banal e regista-se frequentemente no mundo empresarial, quer em épocas de crise, quer quando se impõe medidas radicais na composição das chefias. Ambos estes panoramas estão presentes nas sociedades eclesiásticas actuais.

O Vaticano atingiu os píncaros do poder financeiro: sem dúvida que, com a crise, a Igreja «engordou», como observam alguns comentadores. Todavia, como diziam os antigos, «grande nau, grande tormenta». O desafio que se coloca à hierarquia da Igreja é de alta complexidade e não pode ser ganho a curto prazo. Trata-se de ter mão nos mercados, estar presente na gestão dos grandes embates entre o euro e o dólar, coordenar a gigantesca malha de instituições solidárias e substituir-se ao Estado Social, mantendo a Igreja insubstituível no papel de tampão das «borbulhas» sociais, etc.

Ter, enfim, em todas as situações mão firme e mão dura, no entanto, mão revestida de punhos de renda. A «operação Ratzinger», revelada este Carnaval, poderá ser o início de nova viragem à direita mascarada com discursos pseudo-socialistas de esquerda. Em breve saberemos se os factos caminharão neste sentido.

Entretanto, recordemos as sábias palavras de Pio X, em 1906: «A Igreja, pela sua natureza, é uma sociedade desigual. Apenas a sua hierarquia a dirige… Quanto às multidões, o seu dever é sofrerem, serem conduzidas e aceitarem com submissão as ordens daqueles que as dirigem!».



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