O relatório da vergonha
Os sindicatos da Frente Comum consideram que «é vergonhosa a postura do Governo e dos seus dez ministros e cinco secretários de Estado» e não aceitam que o Executivo e o FMI falem de refundação do Estado.
Não compete ao FMI determinar o que deve ser o Estado
O «relatório do FMI», conhecido no dia 9, teve logo uma primeira reacção da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, cujo Secretariado se reuniu no dia 10. Anteontem, da Cimeira de Sindicatos da estrutura mais representativa dos trabalhadores dos diferentes sectores da administração central, regional e local, saiu uma resolução que, ao longo de seis páginas, refuta «mentiras, erros e manipulação da informação», contidos no relatório, e reafirma a necessidade de desencadear «diversificadas e persistentes formas de luta».
Um plenário nacional de dirigentes e delegados sindicais ficou marcado já para segunda-feira, dia 21, às 9.30 horas, frente ao Ministério das Finanças. Além do apelo à forte participação nas manifestações que a CGTP-IN vai realizar a 16 de Fevereiro, a Frente Comum irá marcar brevemente, para a primeira quinzena de Março, uma jornada nacional.
«É preciso pôr fim a esta política de terrorismo social contra os trabalhadores e de desastre nacional, praticada por este Governo fora-da-lei», conclui-se na resolução.
A Frente Comum, que integra três dezenas de sindicatos da CGTP-IN ou sem filiação em qualquer central, considera que o Orçamento do Estado para 2013 representa já «um novo expoente» no ataque às funções sociais do Estado e aos trabalhadores. «Mas para o Governo PSD/CDS isso não chega», pelo que este pediu «a cobertura ao FMI».
Notando que o OE contém normas que violam a Lei fundamental e estão em apreciação no Tribunal Constitucional, a Frente Comum «não admite que, sob a capa da situação financeira do País, o Governo apresente como permanentes medidas antes apresentadas como tendo carácter provisório».
Na resolução nega-se igualmente competência a um ente estrangeiro, no caso o FMI, para determinar o que deve ser o Estado. «O Governo deixou deliberadamente o FMI com as mãos livres, para propor cortes arbitrários na despesa pública e para que definisse a dimensão que o Estado deve ter em Portugal», acusa a Frente Comum.
Pés de barro
A par da concepção profundamente neoliberal do Estado, a resolução refere vários casos de ausência de fundamento ou mesmo de falseamento e manipulação.
O FMI cita autores pouco conhecidos e ignora a experiência de países como a Noruega, a Suécia ou a China, para afirmar que a dimensão do Estado prejudica o crescimento. Repete a tese de um desses autores, de que a taxa de crescimento cai entre 0,5 e um por cento, por cada dez pontos percentuais acrescentados na despesa do Estado. Mas, mais adiante, apresenta um «multiplicador recessivo» de valor muito superior, contando que um euro a menos no défice orçamental determina uma quebra de 0,90 a 1,70 euros no PIB.
Dados do INE, divulgados em 2012, mostram que a taxa de risco de pobreza aumentaria dos actuais 18 por cento da população, para 42,5 por cento, sem prestações sociais (incluindo aqui as pensões). Mas isto não impede o FMI de escrever que «as transferências sociais beneficiam mais os grupos de rendimentos mais elevados».
Para defender mais cortes nos salários, o relatório apresenta um valor de 2,25 para a relação entre a remuneração anual por trabalhador e o PIB per capita, o que coloca Portugal no grupo de países onde essa média é mais elevada. Mas o rácio verdadeiro é apenas de 1,37, situando Portugal entre os países com valor mais baixo.
Na resolução são ainda contrariadas outras falsidades do relatório. Por exemplo:
- a Educação não absorveu 6,2 por cento do PIB em 2010, mas cinco;
- a despesa da Saúde representou sete por cento do PIB, em 2010, mas em 2012 ficou-se pelos 5,1 por cento;
- o sistema de Saúde é considerado insustentável em Portugal, onde a OCDE registou, em 2010, uma despesa per capita de 2097 euros PPP (paridades de poder de compra), mas esta foi inferior à média da UE27 (2470 euros PPP); além disso, de 2000 a 2010, a despesa cresceu 1,7 por cento ao ano, no nosso País, bastante abaixo dos 2,8 por cento da UE27.
A Frente Comum assinala, por outro lado, que as medidas são apresentadas pelo Governo e o FMI como visando controlar as contas públicas, mas a receita que eles se propõem redobrar teve efeitos contrários: a média anual do aumento da dívida, em 2011 e 2012, quase duplicou em relação aos últimos seis anos, passando de 12 844 para 22 650 milhões de euros.