Sementeira

Anabela Fino

Num ano em que o desemprego bateu todos os recordes, lançando no desespero mais de um milhão e trezentos mil trabalhadores; num ano em que a pobreza (rendimento inferior ao salário mínimo nacional) atinge mais de 2,5 milhões de portugueses (um quarto da população nacional); num ano em que milhares de pequenas e médias empresas foram à falência e outras tantas se preparam para fechar portas nos próximos dias por não conseguirem suportar a brutal carga fiscal imposta pelo Governo; num ano em que os casos de fome – em particular de crianças – se tornaram notícia quase diária; neste ano, enfim, de retrocesso económico e social nunca visto depois do 25 de Abril, o primeiro-ministro Passos Coelho teve o despudor de dizer aos portugueses, na sua mensagem de Natal, que o Governo, com as políticas que está a seguir, lançou «as bases de um futuro próspero».

«Ainda não podemos declarar vitória sobre a crise, mas estamos hoje muito mais perto de o conseguir», afirmou o chefe do Governo, garantindo que «em 2013 continuaremos a preparar o nosso futuro».

Que futuro é esse que o Governo prepara para os portugueses? Mais emprego, melhores condições de vida, mais justiça social, mais educação, mais saúde? De modo algum. O que 2013 tem já como garantido – e com que os trabalhadores, reformados e pensionistas se vão confrontar no final de Janeiro – é um novo bárbaro corte nos seus magros proventos, a par da redução sem paralelo nos serviços públicos que está em curso, seja através da anunciada redução de mais quatro mil milhões de euros nas funções sociais do Estado, seja pela via de novo assalto aos salários da função pública, já admitido como «inevitável» em caso de derrapagem orçamental.

Ocorre perguntar, neste contexto, de que sucesso e de que futuro próspero fala Passos Coelho. Admitindo, por um momento, que o primeiro-ministro acredita no que está a dizer, teremos de concluir que para ele e para os que o acompanham na sua política a felicidade e o progresso se mede pela proliferação das cantinas sociais da sopa dos pobres, da emigração forçada, dos sem-abrigo, da precariedade, dos salários de miséria, das praças de jorna, de transformação (outra vez) dos portugueses num povo de pés descalços e barriga vazia. A não ser assim, a conclusão só pode ser a de que Passos Coelho mentiu e mente aos portugueses, e que as sementes que está a lançar no País – para usar uma figura usada há dias pelo próprio na Assembleia da República – são as mesmas que durante quase meio século germinaram em Portugal sob o calor da ditadura de Salazar. Sementes de ervas daninhas, da opressão e da exploração, que sugam os trabalhadores e o povo para enriquecer os capitalistas sem escrúpulos, os novos/velhos grupos económicos sem pátria e sem outro objectivo que não seja o máximo lucro, custe o que custar. Sementes que cortam cerce em liberdades e direitos, pois exploração não rima com democracia.

Cabe então aos trabalhadores e ao povo mudar de sementes. Porque se é certo que a história não se repete, não é menos certo que só há um caminho para acabar com este ciclo vicioso da exploração e da opressão: liquidar o capitalismo e avançar decididamente rumo ao socialismo.



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