Os estigmas

Margarida Botelho

«É ne­ces­sário olhar para o que es­que­cemos nas úl­timas dé­cadas e ul­tra­passar os es­tigmas que nos afas­taram do mar, da agri­cul­tura e até da in­dús­tria, com vista a pro­du­zirmos mais, em maior gama e quan­ti­dade, pro­dutos e ser­viços que possam ser di­ri­gidos aos mer­cados ex­ternos.» Ti­rando a to­lice sobre os es­tigmas e a fi­xação no mer­cado ex­terno, até pa­rece uma cons­ta­tação justa, não pa­rece?

O pior é quem diz a frase: Ca­vaco. O Pre­si­dente da Re­pú­blica fa­lava na aber­tura do Con­gresso das Co­mu­ni­ca­ções, su­bor­di­nado ao tema «Mar de Opor­tu­ni­dade», com o tom a que re­corre quando quer pa­recer um orá­culo. É assim que fala quando quer pa­recer que vai re­velar ao País e ao mundo a so­lução para todos os males.

Os que o ro­deiam devem gabar-lhe a cla­ri­vi­dência e a au­to­ri­dade. O pior são os ou­tros. Os que têm me­mória, os que vivem do seu tra­balho, os que re­flectem sobre o País. Ca­vaco pode afi­velar o seu me­lhor sor­riso e o seu ar mais com­pe­ne­trado, mas não se livra do ri­co­chete: é que o homem foi pri­meiro- mi­nistro dez anos (10!), de 1985 a 1995. E antes tinha sido mi­nistro. E como Pre­si­dente já leva quase sete anos. Ou seja: «nas úl­timas dé­cadas», se há pessoa com res­pon­sa­bi­li­dades em op­ções, es­que­ci­mentos e es­tigmas (cha­memos-lhes assim) é… Ca­vaco.

Se há pessoa que a his­tória e o povo jul­garão por ter des­truído a cons­trução naval, a frota pes­queira e a ma­rinha mer­cante, por ter ar­rui­nado a agri­cul­tura e des­truído parte sig­ni­fi­ca­tiva do nosso apa­relho pro­du­tivo, essa pessoa é Ca­vaco Silva.

A não ser que o Pre­si­dente tenha um caso muito grave de per­tur­bação da per­so­na­li­dade que o leva a não re­co­nhecer os seus pró­prios actos nos úl­timos vinte anos, o que temos aqui é uma hi­po­crisia do ta­manho do mundo.

Se o Pre­si­dente quer ver­da­dei­ra­mente que pro­du­zamos mais, que nos vi­remos para o mar, que in­vis­tamos na agri­cul­tura, que rein­dus­tri­a­li­zemos o País, tem agora uma oca­sião so­be­rana de co­meçar a in­versão de rumo: quando re­ceber o Or­ça­mento do Es­tado para 2013 no seu Pa­lácio, não o pro­mulgue. É um Or­ça­mento que é o oposto do que o País pre­cisa, chumbe-o. A prá­tica é o cri­tério da ver­dade e dia 15 vamos a Belém exigir que este Or­ça­mento não passe.



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