Tic-tac, tic-tac, tic-tac

Anabela Fino

Parafraseando um «spot» publicitário que esteve em voga há uns anos a uma marca de desodorizante, poder-se-á dizer: e se de repente alguém lhe oferecer um subsídio em duodécimos isso é... uma fraude. No caso vertente – e sem juízos de valor sobre o desodorizante – a oferta, que chega pela mão do Governo, fede que tresanda a burla, por mais que o ministro Mota Soares se desdobre em explicações para fazer crer ser esta uma medida de «protecção das famílias».

Segundo o ministro, trata-se de diluir o subsídio de férias, ou de Natal, ou ambos ao longo dos 12 meses do ano para garantir que «não exista diminuição do salário líquido das famílias» já em Janeiro. Mas do que se trata, de facto, é de uma manobra para tentar evitar que os trabalhadores se dêem conta, ao ver os seus recibos de remunerações no próximo ano, do impacto brutal do aumento do IRS e da sobretaxa impostos pelo Governo nos cada vez mais depauperados salários que levam para casa.

A isto chama-se, em bom português, enganar, lograr, ludibriar... Porque o dinheiro que mal paga o trabalho de quem (ainda) trabalha, ou já muito trabalhou, ou não o faz porque está no desemprego, será rigorosamente o mesmo no final do ano, com ou sem duodécimos.

A isto chama-se também esperteza saloia, pois o objectivo não é ajudar a minorar o desespero de quem já não sabe como sobreviver com o seu salário de miséria, mas sim criar a ilusão de que o saque fiscal a que os trabalhadores portugueses estão a ser sujeitos afinal não é tão grande como se dizia... e se receava.

Com esta medida, o Governo – que já ultrapassou todos os limites da decência ao taxar como se de mordomias se tratasse os subsídios de doença e de desemprego, que transformou em ricos todos quantos ganham o salário mínimo nacional, que considera milionário qualquer vencimento acima dos 600 euros – o que pretende efectivamente é que os trabalhadores não percebam a dimensão do roubo de que estão a ser vítimas. E porquê? Porque o Governo tem medo, muito medo de que os trabalhadores se revoltem.

Ilude-se quem quer enganar. É que há sempre um momento em que o copo está cheio e já não dá mais para engolir. E o relógio está a contar.

 



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