Eleições nos EUA

Ângelo Alves

Um dos países mais de­si­guais do mundo

Ao mo­mento da re­dacção deste ar­tigo ainda não são co­nhe­cidos os re­sul­tados das elei­ções pre­si­den­ciais nos EUA. Mas mais im­por­tante do que saber quem será o pró­ximo pre­si­dente dos EUA im­porta so­bre­tudo re­flectir sobre o que são, em que quadro se re­a­lizam e o que re­pre­sentam estas elei­ções. Três ano­ta­ções:

1 – As elei­ções norte-ame­ri­canas são o pro­cesso elei­toral mais me­di­a­ti­zado do Mundo. Tal facto não é dis­so­ciável da per­ma­nente cam­panha ide­o­ló­gica que apre­senta os EUA como a «mais avan­çada de­mo­cracia do mundo». Não ca­berá aqui ana­lisar, à luz da nossa con­cepção de de­mo­cracia a so­ci­e­dade norte-ame­ri­cana, o seu sis­tema sócio-eco­nó­mico e cor­res­pon­dente re­gime. Se o fi­zés­semos con­clui­ríamos fa­cil­mente que nos planos eco­nó­mico, so­cial e mesmo cul­tural, os EUA têm muito, mesmo muito, a dever a uma noção, bá­sica que fosse, de real de­mo­cracia. Abor­da­remos, em vir­tude do mo­mento, o sis­tema po­lí­tico e elei­toral con­ce­bido para manter in­tacto o poder da classe do­mi­nante norte-ame­ri­cana e o seu sis­tema de do­mínio im­pe­ri­a­lista e para eter­nizar no poder os dois grandes cen­tros po­lí­ticos norte-ame­ri­canos – o par­tido de­mo­crata e o par­tido re­pu­bli­cano. Par­tidos que re­pre­sen­tando di­fe­rentes sec­ções do grande ca­pital norte-ame­ri­cano, mas uma mesma ide­o­logia, di­videm entre si, in­de­pen­den­te­mente de quem ha­bite a Casa Branca, uma com­plexa teia de po­deres e in­fluência no plano eco­nó­mico, po­lí­tico e mi­litar.

O sis­tema po­lí­tico faz a sua parte, im­pe­dindo na prá­tica a par­ti­ci­pação de ou­tras forças po­lí­ticas que não os dois par­tidos do sis­tema na gestão dos des­tinos dos EUA. Mas não é apenas o sis­tema po­lí­tico e elei­toral que ga­rante a per­ma­nência das «duas ca­beças» de um mesmo poder na Casa Branca. O fi­nan­ci­a­mento das cam­pa­nhas elei­to­rais tem aqui um papel fun­da­mental. Nestas elei­ções os dois par­tidos juntos terão gasto nada mais nada menos do que seis mil mi­lhões de dó­lares. Uma soma as­tro­nó­mica que de­mons­trando na prá­tica quem está por de­trás da «de­mo­cracia» norte-ame­ri­cana fun­ciona também como «filtro de­can­tador» re­la­ti­va­mente a quais­quer even­tuais al­ter­na­tivas po­lí­ticas.

2 – Con­tras­tando com o am­bi­ente vi­vido em 2008 criado em torno da ideia do «Yes, we can!» estas elei­ções foram mar­cadas por um am­bi­ente de pes­si­mismo e de­si­lusão. Por uma razão fun­da­mental: os EUA estão mer­gu­lhados numa pro­funda crise, e pior que isso, à beira de um novo e vi­o­lento epi­sódio de crise. Com uma dí­vida que já atinge os 100% do PIB e cujo mon­tante as­cende a mais de 15 bi­liões (mi­lhões de mi­lhões) de dó­lares; com um de­sem­prego cres­cente e que em termos reais ron­dará os 14%, com uma eco­nomia es­tag­nada e um dé­fice do Es­tado ga­lo­pante, o es­pectro da re­cessão eco­nó­mica na prin­cipal po­tência im­pe­ri­a­lista pode já tornar-se uma re­a­li­dade no início do ano quando face à si­tu­ação se im­puser o cha­mado «pre­ci­pício fiscal», ou seja cortes drás­ticos na des­pesa pú­blica (na ordem dos 600 mil mi­lhões de dó­lares), au­mento de im­postos e claro, muitos mais sa­cri­fí­cios para a classe tra­ba­lha­dora de um dos países mais de­si­guais do mundo.

3 – Como ficou bem pa­tente na cam­panha e nos de­bates, ambos os can­di­datos de­fendem exac­ta­mente a mesma po­lí­tica ex­terna mi­li­ta­rista, de in­ge­rência e re­co­lo­ni­zação pla­ne­tária. Obama de­mons­trou na prá­tica ser tão ou mais be­li­cista que Ge­orge W. Bush. Líbia, Afe­ga­nistão, Pa­quistão, Irão, Síria, sis­tema anti-missil, Guan­ta­namo são, entre ou­tras, provas desta afir­mação. Provas que dão razão a tudo o que o PCP disse em 2008 quando muitos afir­mavam que o Mundo ia mudar com Obama. Mas há um facto novo que im­porta re­alçar nestas elei­ções. É que face às po­si­ções fas­cistas de Mitt Romney em va­ri­adas áreas o par­tido de­mo­crata moveu-se ainda mais para a di­reita, con­ver­gindo no plano das po­lí­ticas eco­nó­micas e so­ciais com as po­lí­ticas tra­di­ci­o­nais do par­tido re­pu­bli­cano. Esta re­cen­tragem à di­reita ar­rasta grandes pe­rigos para o Mundo e para o pró­prio povo norte-ame­ri­cano. Por isso, e in­de­pen­den­te­mente do re­sul­tado destas elei­ções uma cer­teza temos: só a luta por uma rup­tura com o sis­tema de poder dos EUA po­derá abrir pers­pec­tivas de mu­dança na maior po­tência im­pe­ri­a­lista do Mundo, fe­rida pelo seu de­clínio eco­nó­mico.



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