EUA: poder e dinheiro na urna

André Levy

Um re­la­tório re­cente da Co­missão Global sobre Elei­ções, De­mo­cracia e Se­gu­rança das Na­ções Unidas avisou vá­rias de­mo­cra­cias, in­cluindo os EUA, que as cam­pa­nhas elei­to­rais estão sob in­fluência cres­cente de fi­nan­ci­a­mento «des­re­gu­lado, não de­cla­rado, ilegal e opaco». Em re­lação aos EUA, chamou atenção para dois pro­cessos que vão ter grande in­fluência nas cam­pa­nhas e na eleição no pró­ximo dia 6 de No­vembro para a Casa Branca, para o Con­gresso e inú­meras elei­ções es­ta­duais e lo­cais: a cres­cente in­fluência de di­nheiro não re­gu­lado e as al­te­ra­ções às Leis Es­ta­tuais de Iden­ti­fi­cação do Eleitor.

Estas vão ser as pri­meiras elei­ções pre­si­den­ciais após a de­cisão do Tri­bunal Su­premo, de 2010, no caso da ONG Ci­da­dãos Unidos (Ci­ti­zens United) vs. Co­missão Elei­toral Fe­deral. A de­cisão 5-4 con­cluiu que quais­quer res­tri­ções sobre o fi­nan­ci­a­mento por cor­po­ra­ções de dis­curso po­lí­tico (desde de que não cons­titua uma con­tri­buição di­recta às cam­pa­nhas elei­to­rais e seja «in­de­pen­dente» destas) cons­titui uma vi­o­lação da Pri­meira Emenda à Cons­ti­tuição. A li­ber­dade de ex­pressão das cor­po­ra­ções está pro­te­gida por esta emenda pois ao abrigo da lei dos EUA estas são con­si­de­radas pes­soas. Se já antes os fundos das cam­pa­nhas elei­to­rais ti­nham grande in­fluência no re­sul­tado elei­toral – cerca de me­tade dos mem­bros do Con­gresso são mi­li­o­ná­rios1 – e atin­giam, no caso das cam­pa­nhas pre­si­den­ciais, cen­tenas de mi­lhões de dó­lares, após a de­cisão do Tri­bunal Su­premo rom­peram-se os di­ques. Um re­la­tório do início de Ou­tubro1, con­cluía que as des­pesas por parte de Co­mités de Acção Po­lí­tica (PACs) e or­ga­ni­za­ções in­dus­triais 501(c)4 ex­cedia já as con­tri­bui­ções extra-cam­panha feitas nos onze ci­clos elei­to­rais com­bi­nados: mais de 517 mi­lhões de dó­lares face a 444 mi­lhões em todas as elei­ções desde 1990. E prevê-se que estas con­tri­bui­ções ve­nham a au­mentar du­rante o úl­timo mês de cor­rida elei­toral. Estes di­nheiros têm in­fluência na cor­rida pre­si­den­cial e para o Con­gresso Fe­deral, mas são também di­ri­gidos a cam­pa­nhas Fe­de­rais e Es­ta­tuais para os res­pec­tivos Con­gressos, onde grandes quan­tias de fi­nan­ci­a­mento obs­curo podem ser crí­ticas para do­minar o es­paço de cam­panha em cír­culos mais res­tritos.

Outra forma de ga­nhar elei­ções ainda antes do es­cru­tínio é eli­minar os elei­tores que votam pre­fe­ren­ci­al­mente no opo­sitor. Um novo re­la­tório, pu­bli­cado no início desde mês pelo Ga­bi­nete de Res­pon­sa­bi­li­dade Go­ver­na­mental2, de­monstra que nos pas­sados 10 anos um total de 31 es­tados, prin­ci­pal­mente es­tados cujos go­vernos e con­gressos são do­mi­nados pelo Par­tido Re­pu­bli­cano, pas­saram leis que di­fi­cultam a vo­tação por parte de elei­tores le­gí­timos, apro­vando novas leis de iden­ti­fi­cação do eleitor, tor­nando as leis exis­tentes mais exi­gentes, apro­vando novos re­que­ri­mentos de prova de ci­da­dania ou im­pondo novas res­tri­ções às cam­pa­nhas de re­cen­se­a­mento de novos elei­tores. (Note-se que nos EUA não existe cartão de iden­ti­dade.) Entre os es­tados que tor­naram as leis mais res­tri­tivas estão 5 es­tados de­ci­sivos para ga­nhar a mai­oria do Co­légio Elei­toral3 e a eleição para a pre­si­dência ((Flo­rida, Iowa, Ohio, Pennsyl­vania, e Wis­consin).

Estas leis afectam pre­fe­ren­ci­al­mente as classes mais des­fa­vo­re­cidas, as mi­no­rias ét­nicas, e os jo­vens que votam pre­fe­ren­ci­al­mente no Par­tido De­mo­crata, e que, por exemplo, têm menos pro­ba­bi­li­dade de pos­suir a forma de iden­ti­fi­cação com foto mais uti­li­zada nos EUA, a carta de con­dução, ou uma forma de prova de re­si­dência sem foto. Estas res­tri­ções, já em vigor no Es­tado da Flo­rida du­rante a cam­panha Bush-Gore de 2000, im­pe­diram largas cen­tenas de ne­gros de votar. (Re­corde-se que Bush ofi­ci­al­mente «ga­nhou» esse Es­tado, com uma margem de apenas 537 votos, dando-lhe acesso à Casa Branca.) Se­gundo Mother Jones4, as novas leis podem afectar mais de 5 mi­lhões de le­gí­timos elei­tores, em es­tados re­pre­sen­tando 179 (dos 270) de­le­gados ao Co­légio Elei­toral. Os Re­pu­bli­canos têm de­fen­dido estas res­tri­ções com base no ataque à fraude elei­toral. Mas não existe, na his­tória elei­toral re­cente dos EUA, evi­dência de fraude elei­toral sig­ni­fi­ca­tiva: os es­tudos re­centes na ma­téria in­dicam ser no má­ximo na ordem dos 0.001%. Assim, os mai­ores trunfos do Par­tido Re­pu­bli­cano para ele­gerem Romney não se ba­seiam no ca­rácter do can­di­dato nem na subs­tância das suas pro­postas, mas nos me­ca­nismos de dis­torção do pro­cesso elei­toral.

 ___________

1 Centro para Po­lí­tica Res­pon­sável, http://​www.open­se­crets.org/

2 Go­vern­ment Ac­coun­ta­bi­lity Of­fice, http://​www.san­ders.se­nate.gov/​imo/​media/​doc/​GAO-13-90R.pdf

3 For­mal­mente, a eleição para a Casa Branca é feita em duas fases. Os vo­tantes elegem de­le­gados a uma es­tru­tura in­ter­média, o Co­légio Elei­toral, e a Pre­si­dência é eleita por mai­oria desta es­tru­tura.

4 http://​www.mother­jones.com/​po­li­tics/​2012/​07/​voter-id-laws-charts-maps



Mais artigos de: Argumentos

A soberba

Chamemos-lhe soberba para não usarmos alguma palavra mais agreste ainda que mais exacta. A ela se referiu até o professor Marcelo no passado domingo, quando da sua habitual visita aos estúdios da TVI, desse modo se juntando ao que a generalidade dos portugueses vai sabendo: os europeus do Norte desta...

Luta contra a pobreza

Assinalou-se, na semana passada, o Dia Internacional para a Erradicação da pobreza – 17 de Outubro. Vive-se o maior agravamento da pobreza após a revolução de Abril de 1974, marcado pela existência de milhões de portugueses e suas famílias em risco de pobreza e...

A Igreja Católica e a selva capitalista

«A proposta de Orçamento do Estado para 2013 é um terramoto… um napalm fiscal. Arrasa tudo. É devastadora» (António Bagão Félix, da área do CDS-PP, ex-ministro das Finanças e da Solidariedade Social; membro do Opus Dei. Outubro de 2012)....