Por estas e por outras
O iminente aumento do preço do pão, numa altura em que a maioria dos portugueses já está a comer o pão que o diabo amassou devido às políticas anti-sociais prosseguidas pelas troikas nacionais e estrangeiras, suscitou à ministra da Agricultura, Assunção Cristas, um comentário ilustrativo da forma como o Governo encara o drama de milhares de famílias a viver na miséria ou para lá caminhando a passos largos. Que a situação é «naturalmente muito difícil», que «não depende apenas de nós», que a «agricultura tem estes aspectos específicos», diz Cristas, estendendo o discurso a sublinhar o óbvio – «está dependente do clima e a nível mundial, por isso, quando falamos em preços dos cereais estamos a falar de preços do mercado mundial, das produções em várias partes do globo e, neste momento, estão a ser vistos esses cenários» – na vã tentativa de encobrir o facto de que o rei vai nu, ou seja, que o Governo «se está lixando» para a fome dos portugueses.
Não se nega, evidentemente, os terríveis efeitos da seca na produção de cereais em Portugal no corrente ano – segundo dados do INE será a mais baixa desde 2005 –, nem tão pouco os reflexos, a nível nacional, da seca registada noutros países. Mas o que é de exigir a qualquer governo é que não se limite a lamentar as adversidades, do clima ou outras, e tome medidas para as prevenir e ultrapassar. Para tal é preciso, antes do mais, haver vontade política, e é justamente aí que a porca torce o rabo, como soe dizer-se. A extrema dependência externa verificado no sector, fruto de anos e anos de políticas que deixaram a terra ao abandono – mais concretamente desde a liquidação da Reforma Agrária – e de incentivo à não produção (quantos milhões foram distribuídos para não produzir?); preços incomportáveis dos factores de produção; total inexistência de medidas de apoio ao escoamento da produção e de controlo da comercialização agrícola; submissão acrítica e acéfala a interesses externos, da União Europeia aos EUA, país onde não há seca que leve a fazer baixar a quota de milho destinada à produção de etanol, que já vai nos 40 por cento... eis apenas algumas das causas do estado a que chegou a agricultura nacional, que nada têm a ver com fenómenos atmosféricos.
A ministra Cristas – que não chegou (ainda?) ao desplante de aconselhar os que já não têm ou vão deixar de ter pão a «comer brioches», como se diz que fez Maria Antonieta – não fala nestas coisas, tal como não fala o seu partido, dito apoiante da «lavoura», e que desde a entrada no Governo meteu a lavoura no saco.
O silêncio é idêntico para as bandas do PSD, embora algumas vozes avulsas, laterais e sempre tidas como muito católicas se vão manifestando consternadas com a fome alheia, a que já aí está e a que aí vem. As mesmíssimas vozes que não se cansam de repetir não haver alternativa a esta política que a uns tira o pão e a outros dá milhões, enquanto vão advogando o «tenha paciência» e a caridadezinha. Foi por estas e por outras que aconteceu a Revolução francesa e Maria Antonieta perdeu a cabeça.