Toxicodependência

O «regresso ao passado» cavaquista

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política)

No quadro do aprofundamento da crise capitalista, verifica-se o agravamento da situação mundial na produção e consumo de drogas ilícitas. No plano nacional, confirma-se o agravamento dos problemas da toxicodependência e das questões conexas. Portugal, empurrado pela política de direita dos sucessivos governos, dos PEC e do pacto de agressão, de desinvestimento e liquidação das respostas do Estado, caminha nesta matéria para o «regresso ao passado» cavaquista.

«A política de direita ameaça deitar tudo a perder e lançar o País no declínio»

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Três décadas em resumo

No final dos anos setenta e sobretudo nos dez anos de Cavaco Silva como primeiro-ministro (1985-1995), a toxicodependência assumiu a dimensão e gravidade de um flagelo social e de saúde pública. O País atingiu os cem mil dependentes de drogas ilícitas e índices dos mais elevados a nível mundial – na heroína injectada, nas mortes por causa directa de drogas, na infecção de toxicodependentes com HIV, hepatites e tuberculoses multi-resistentes. Os fenómenos associados à toxicodependência – degradação dos índices de saúde, desestruturação social, marginalidade e criminalidade – atingiram enorme gravidade. O Casal Ventoso tornou-se num hipermercado de drogas ilícitas, frequentado diariamente, no auge do negócio, por centenas de traficantes e cinco mil consumidores.

No cavaquismo, a política para esta área tinha como instrumentos: a «guerra à droga», que criminalizava o «tráfico e consumo» e prendia e estigmatizava os dependentes de drogas ilícitas; o «Projecto Vida», entregue à «caridade católica», que distribuía dinheiros públicos pelas instituições e actividades de prevenção primária; a inacessibilidade das estruturas de saúde para estes doentes, marginalizados pelo SNS e à mercê dos «negócios do tratamento»; e o vazio de medidas de redução de riscos e danos, abrindo espaço a epidemias e à degradação social dos toxicodependentes. Neste quadro, a situação nesta área era de autêntico desastre nacional.

Estes foram anos de intervenção e luta, de manifestações de populações contra a gravidade destes problemas. O PCP teve neste movimento um papel decisivo que, já em fase adiantada do governo PS/Guterres (1995-2002), conseguiu ultrapassar as respectivas hesitações e as manobras de diversão do BE e tornou possível a aprovação da Lei 30/2000, de despenalização do simples consumo de drogas e de protecção sanitária e social dos consumidores, que constitui o essencial da política nacional de dissuasão do consumo e de resposta à toxicodependência.

Foi então possível, até ao final da década, com a nova legislação e a intervenção do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) e apesar dos bloqueios e resistências da política de direita, uma melhoria significativa da situação, com o recuo nos índices de consumo e nas doenças e problemas associados. O «modelo português» tornou-se mesmo um case study mundial, de grande prestígio.

O quadro actual

Com os PEC do PS/Sócrates verificou-se a travagem nesta evolução positiva e a partir de 2011, com o pacto de agressão e o Governo PSD/CDS, regista-se um claro retrocesso na situação, cujos números não estão publicados, mas em que a realidade e a tendência estatística indiciam, por exemplo, o retrocesso na heroínodependência, no consumo em idade escolar e na mortalidade relacionada com drogas.

A política de direita é a causa da regressão social a montante da toxicodependência e da desintegração em curso da estratégia nacional para estes problemas, com a extinção do IDT e a pulverização das suas competências pelo novo SICAD e pelas ARS, sem sustentação técnica nem economia de custos, com o encerramento de equipamentos, o despedimento de técnicos e a liquidação de meios e programas no tratamento e prevenção de riscos e danos. Aliás, estas medidas representam um autêntico ajuste de contas da extrema direita e dos interesses do negócio do tratamento com a legislação humanista, que sempre combateram.

A política de direita ameaça deitar tudo a perder e lançar o País no declínio. A não ser derrotada, o seu resultado inevitável, também nesta matéria, será o regresso ao passado cavaquista do flagelo social da toxicodependência e narcotráfico.

Pela nossa parte não vamos desistir. A denúncia e a luta ganharão mais importância nos tempos próximos. O PCP lutará para defender e concretizar a estratégia nacional de prevenção e tratamento da toxicodependência, humanista, progressista e de grande eficácia. Esta é uma indeclinável exigência civilizacional e democrática.

 



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